A fé e o medo

Quarta feira da Trigésima Terceira Semana do Tempo Comum. O final do ano já vem apontando no horizonte de nossas projeções. Enquanto isso, vamos celebrando a festa dos santos do dia. Hoje nos lembramos de Santa Cecília, a padroeira dos músicos. É por este motivo que celebramos hoje o Dia do Músico. Eles e elas compuseram, cantaram e nos encantaram. Como não lembrar-nos de Chiquinha Gonzaga (1847-1935), Heitor Villa-Lobos (1887-1959), Pixinguinha (1897-1973), dentre outros mais, na história da música brasileira? Ainda bem que temos Chico Buarque, alegrando os nossos dias com uma música de qualidade e que não fere tanto os nossos tímpanos.

Apesar de poucas informações acerca de sua vida, dizem os hagiógrafos, que são aquelas pessoas que se dedicam a escrever sobre a vida dos santos e santas, a romana Santa Cecília (180 d.C.-230 d.C.) possuía uma voz belíssima e afinada. Era filha de família nobre, cujo pai era um senador romano. Teve um fim trágico, pois foi martirizada e ao pressentir sua morte, ela pediu ao Papa Urbano I, que entregasse todos os seus bens aos pobres. Após sua morte ela foi sepultada pelos cristãos na catacumba de São Calisto e desde então passou a ser venerada como mártir. Santa Cecília, rogai por nós!

O martírio é o caminho percorrido por muitos dos seguidores e seguidoras de Jesus. Desde os primórdios do Cristianismo, ele está presente na vida daqueles e daquelas que ousaram seguir os passos do Nazareno. Os primeiros cristãos que o digam, pois sentiram na pele o significado do compromisso com as mesmas causas de Jesus. Como os três primeiros séculos do Cristianismo foram marcados pela expansão da pregação do Evangelho aos diferentes povos, com inúmeras conversões e o surgimento de novas comunidades, este período também foi marcado pelo sangue derramado por muitos cristãos em meio às duras perseguições: “Estes são os que vieram da grande tribulação e lavaram as suas vestes e as alvejaram no sangue do Cordeiro. (Apoc 7,14)

A experiência de Jesus passando pelo calvário não ficou restrita a si, mas atingiu a todos aqueles e aquelas que se identificaram com a sua trajetória de vida. O próprio Filho de Deus não foi poupado da morte violenta na cruz, como o Dominicano Frei Betto resume em uma de suas frases: “Jesus não morreu de hepatite na cama nem de desastre de camelo numa esquina de Jerusalém. Morreu como tantos presos políticos na América Latina das décadas de 1960 a 1980: foi preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado a ser assassinado na cruz”. Vidas pela vida. Vidas pelo reino!

Quem possui a sua fé consciente e se coloca na mesma perspectiva de Seguir os passos de Jesus, sabe que deve estar preparado para a perseguição, como Mateus mesmo descreve em uma das falas de Jesus no final das Bem Aventuranças: “Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia contra vocês, por causa de mim. Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês”. (Mt 5,11-12) A perseguição assusta e amedronta, mas, no horizonte da fidelidade, está a esperança do encontro com o Senhor. Fé, esperança, teimosia/resistência, nas utopias críveis do Reino.

Fé não combina com medo. Muito menos com covardia. Por várias vezes Jesus diz aos seus seguidores e seguidoras: coragem! Quem tem medo, dá mostras de não ter fé, ou está inseguro nela. Nosso bispo Pedro bem que nos dizia: “O contrário da fé não é a dúvida; é o medo. E não se pode ter medo do medo!” Seguir em frente e crescer no caminho da vida, não se deve ter medo, mas é necessário ter confiança e acreditar que Ele caminha conosco. Ao encarnar-se em nossa realidade histórica, Jesus nos revelou a face de um Deus extremamente amoroso e pleno de misericórdia. Bem ao contrário do que fez alguns membros da Igreja, que nos ensinou na catequese, um Deus carrasco, sempre pronto a nos castigar.

A parábola contada por Jesus no texto da comunidade Mateus de hoje, nos ensina que a fé com medo é sinal de dominação, e totalmente contrário ao sonho e o anseio de Deus para nós. Somos chamados a refletir para descobrir qual é realmente a nossa ideia de Deus. Desde o Antigo Testamento Ele tem se revelado como “Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera, rico em bondade e em fidelidade” (Êx 34, 6). E Jesus, com os seus ensinamentos e sua prática, sempre nos revelou que Deus não é um patrão severo e intolerante, mas um Pai verdadeiro, cheio de amor pra dar, pleno de ternura, repleto de bondade. Portanto, podemos e devemos ter uma confiança imensa n’Ele, pois nos mostra a generosidade e a solicitude do Pai de várias formas: com a sua palavra, com os seus gestos, com o seu acolhimento de todos e todas, especialmente dos pecadores, dos pequeninos e dos pobres.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.