Primeiro dia do ano novo de 2021. Vida que segue. Desafios a cumprir. Mais incertezas do que certezas. Ainda não damos conta de fazer nenhum prognóstico, acerca do que nos espera neste novo ano. Certo é que a vacina está a caminho. Nunca se falou tanto da necessidade dela como nestes tempos. Se bem que estão politizando uma questão que envolve a vida das pessoas. Um negacionismo sem fim. Como na Idade Média, a Ciência sendo desprezada insanamente. Galileu deve ter virado e revirado em sua cova.
A liturgia de hoje nos coloca diante desta narrativa bastante conhecida da Comunidade Lucana. (Lc 2,16-21) Os pastores que vão visitar o recém-nascido em Belém. A mãe ouve atentamente o relato dito por eles acerca do menino. “Tendo-o visto, contaram o que lhes fora dito sobre o menino. “E todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam”. (Lc 2, 17-18) Nunca devemos esquecer que os primeiros a receber a Boa Notícia (Evangelho) são os pobres e marginalizados, aqui representados pelos pastores, pessoas desprezadas à época.
A Palavra (Boa Nova) sendo comunicada pelos pobres marginalizados. A palavra possui um enorme poder. A palavra dita e o seu poder de alcance. Se bem que, quando criança, cresci ouvindo a minha mãe me dizer: “as palavras convencem, mas o exemplo arrasta”. Somente mais tarde é que fui perceber que a minha mãe, sem querer, citava Confúcio, já que esta frase é atribuída a ele. Ou seja, ouvimos a palavra, mas o fazer acontecer concretamente diz muito, principalmente na criação dos filhos. Também hoje, a maioria das crianças ouvem o que dizem a elas, algumas inclusive fazem o que é dito, mas todas elas acabam fazendo o que vêem os adultos fazerem.
A experiência adquirida junto aos povos indígenas me ensinou uma coisa muito importante. As crianças ouvem muito as palavras ditas pelos adultos, sobretudo dos anciãos. Entretanto, o jeito indígena de ensinar as crianças é fazendo à frente delas. Fazem a exaustão para que, vendo o que está sendo feito, elas o fazem posteriormente. A palavra dita é muito importante e tem uma força descomunal, mas o fazer com, torna-se a grande lição no processo de aprendizagem.
Somos portadores da palavra. Uma das primeiras coisas que aprendemos na vida é o falar. Aprendemos cedo a falar e a palavra nos acompanha ao longo de toda a nossa vida. A palavra nos possibilita a comunicação. Ela possui uma força incalculável, que muitos dentre nós não percebeu ainda poder que a palavra contém. A titulo de exemplo, fico apenas com a fala infeliz de um bispo auxiliar da Arquidiocese de uma grande cidade, afirmando em sua fala que os casais LGBTs não devem adotar crianças. Perdeu a chance de ficar calado, pois, certamente não deve ter colocado os seus “sagrados” pés num centro de adoção, e, sendo um celibatário, se apressou também em julgar a forma de vivenciar o amor entre casais do mesmo sexo.
Jesus tinha o dom da palavra e se comunicava. Falava as escancaras, mas era antes de tudo um homem que convencia as pessoas pela sua prática libertadora ao lado dos mais pobres. Fico imaginado o que faria Jesus, estando ELE nesta mesma situação deste pobre bispo. Condenaria os casais por causa do tipo de união deles ou ressaltaria o gesto deles em adotar uma criança sem lar? Basta ver o que Jesus disse à samaritana mediante os seus “vários homens”. Ao invés de condená-la, ELE se dá a revelar àquela mulher adúltera dizendo: “Esse Messias sou eu, que estou falando com você.” (Jo 4,26).
No ano de 2020, algumas pessoas se destacaram pela sua palavra dita. O Papa Francisco foi uma destas pessoas. A força de sua palavra chegou até a igreja, mesmo que embora, alguns não as escutem. Outro que também se destacou neste ano com a sua palavra contundente foi o padre Júlio Lancellotti. Com a sua palavra e mais com o seu exemplo de vida, denunciou as mazelas das pessoas em situação de rua e o descaso das autoridades frente a esta chaga de nossa sociedade. Padre Julio não se cansa de dizer a sua palavra e a manutenção de suas ações junto aquelas pessoas incomoda muita gente, inclusive as autoridades constituídas dentro da própria igreja.
A palavra se faz presente na nossa vida. Palavra que soma ou que divide, dispersa. A palavra tem o poder de edificar como também de destruir. Depende de cada um dos que a pronuncia. Nestas horas, vale o que nos diz o Livro de Provérbios: “A boca do justo é fonte de vida, mas a boca dos injustos esconde violência”. (Pr 10,11) Palavra também pode ser fonte de bênção. Neste sentido, para que o ano que ora se inicia, seja de conquistas e vitórias à todos nós, faço uso da palavra do Livro dos Números: “O Senhor te abençoe e te guarde; O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz. (Nm 6, 22-27). Amém! Axé! Awire! Aleluia!