A Guerrilha do Araguaia tornou-se bastante conhecida na literatura brasileira. O que talvez poucos saibam, é que os militares que comandavam a política do país à época, com mão de ferro, tentaram de todas as formas, associá-la à Prelazia de São Félix do Araguaia. Como todos já sabem, este movimento transcorreu entre os anos de 1967 e 1974, na região conhecida como “Bico do Papagaio”, situada na fronteira entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins. Região esta que, a época, pertencia ao enorme Estado de Goiás.
Mesmo não estando envolvida neste movimento armado, a Prelazia sofreu duramente a repressão dos órgãos de Segurança Nacional. Pelo fato de Pedro ser um homem de posturas políticas claras, na defesa da Reforma Agrária, por exemplo, automaticamente foi identificado pelos militares, como um dos mentores da luta armada na região. Sua casa foi devassada pelos militares que procuravam pelo material subversivo que o bispo havia imprimido. Por mais que Pedro se esforçasse para dizer que não fazia parte de tal movimento, os militares não se convenciam disso.
Também os agentes de pastoral foram perseguidos, ameaçados e até torturados pelos militares que chegaram à região. Muitos deles tiveram que se esconder, fugindo da repressão. Há ate uma cena hilária que aconteceu neste período. Os agentes pegaram um barco e se esconderam no Rio Araguaia. Quando os militares perceberam que tal fato tinha acontecido, foram para cima de Pedro, querendo saber onde estavam escondidos os agentes. Alguém, para disfarçar, conduziu os militares até a beira do rio para dizer que nenhum deles havia fugido. No que ali estavam, de algum ponto do rio, os agentes começaram a gritar, achando que aqueles que os procuravam não os estavam encontrando.
Pedro sempre foi um homem a frente de seu tempo. Apesar de dizer que tinham em si amor de revolução, definitivamente não estava envolvido com a Guerrilha do Araguaia. Depois de tanto inquiri-lo, sobre a sua participação, os militares resolveram então ir embora de sua casa. Mas antes de sair, Pedro ainda os chama e os conduz à capela. Lá, com uma bíblia nas mãos, diz ao algoz militar: “esta é a arma com a qual lutamos a nossa revolução.” Nem preciso dizer que o brutamonte desferiu-lhe um soco no rosto.
A sorte de Pedro é que há época, havia um colegiado de bispos aguerridos, que também o acompanhava na sua linha de pensamento e ações, voltadas às causas do povo sofrido. Eram bispos do povo, inclusive aqueles que estavam à frente da CNBB. Ao contrario de uma CNBB que está aí hoje, acanhada, tímida e sonolenta. Incapaz de rascunhar ao menos algumas linhas, se contrapondo a toda uma política supressão de direitos e de morte anunciada contra os mais vulneráveis. Despidos do espírito profético, não aguentariam passar pelo arrocho que Pedro passou nas mãos dos seus algozes. Sobra-lhes apenas a instituição para a incensarem, com os melindres daqueles que não mergulham nos conflitos, sobretudo políticos, receosos de provocar a cisão. Como se esta cisão já não estivesse presente.
O sangue da profecia corria veloz nas veias de Pedro. Como ele mesmo fazia questão de dizer: Eu tenho “Fé de guerrilheiro e amor de revolução”. A fidelidade e a inquietude não permitiam que ficasse calado, em meio aos horrores da ditadura militar, que espalhava o terror por onde passava. Poeta que era, transformou em prosa e versos os ideais revolucionários do Evangelho. Suas causas se identificavam também com as causas de Jesus de Nazaré, a quem ele se referia carinhosamente como “A Testemunha Fiel.” O Crucificado, mas também Ressuscitado, presente na história daqueles que sofrem e lutam, sem perder de vista, o horizonte próximo da utopia do REINO.
Evidentemente que os militares não saíram convencidos de que Pedro não estivesse também ligado à Guerrilha do Araguaia. Fustigaram o quanto puderam, tentando encontrar vestígios de que, por aqui, também funcionava uma célula da guerrilha. A convicção dos militares estava ligada aos poemas de Pedro que eles, certamente haviam lido em algum lugar. Poemas como este: “Incito à subversão/Contra o poder e o dinheiro/Quero subverter a lei/Que perverte o povo em grei/E ao governo em carniceiro/…Creio na foice e no feixe/Destas espigas caídas/Uma Morte e tantas vidas/Creio nesta foice que avança/Sob este sol sem disfarce/E na comum esperança” (Pedro Casaldáliga). Pedro, o guerrilheiro das causas do Senhor! Lutou a sua guerrilha, aguerridamente, na defesa das causas dos sem vez e sem voz.