A humanidade perdida

Já estamos no terceiro domingo (17) do mês de janeiro. A pandemia segue lá fora. Os mais responsáveis, tentando fazer o distanciamento social à espera da vacina. Algo que vem para salvar a vida das pessoas, sendo politizada ao extremo. Uma atitude mesquinha por parte daqueles que deveriam cuidar para que mais vidas não fossem perdidas. Uma desumanidade sem fim que assusta. A humanidade dando lugar ao cinismo e a perversão. Que tristeza ver tudo isso acontecendo! Até quando, Senhor!

Estive na casa de um amigo esta semana. Ali, vi uma cena que me chamou a atenção. Uma cachorra com os seus filhotes, dando vez e lugar a um pequeno gatinho, que mamava sossegadamente ali, entre os demais cachorros seus. Não sei por que, mas vi ali naquela cena, um ato de humanidade. Animais humanos? Sim! Foi esta a sensação que tive. Eles são mais humanos que nós com as nossas reações malucas atualmente.

Onde foi parar a nossa humanidade? Esta talvez seja a pergunta que muitos de nós estamos nos fazendo. Em meio a uma das maiores crises vividas pela humanidade, perdemos o nosso senso de humanidade. Desumanizamos. Ou seja, estamos retirando de nós o sentido real dos traços humanos, conforme afirmam os psicólogos. Neste sentido, os animais que agem por instinto, demonstram muito mais este valor que deveria ser o nosso dom maior. A dor do outro nada me diz. O que ele está passando, não me diz respeito. Chega a ser sarcástico algumas das nossas atitudes.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), escreveu algo que deu o que falar. Disse ele: “Deus está morto!”. Esta frase aparece num de seus escritos, “Assim Falou Zaratustra”, publicado no ano de 1883. O filósofo não estava referindo-se a morte literal de Deus e nem a de Jesus, mas, segundo ele, era a própria humanidade que estava matando Deus, pois não estava permitindo que este mesmo Deus, fosse a fonte ordenadora do mundo com os valores advindos do coração de Deus. Ainda segundo ele, os valores de Deus são sagrados e estavam sendo desfigurados pela própria humanidade, que estava distorcendo estes valores, com a sua forma se seguir os ensinamentos de Jesus.

Vivemos num mundo estranho. De uns tempos para cá, afloraram tantos sentimentos esquisitos nas pessoas que nos perguntamos atônitos: onde foi que nos perdemos? Numa banalização perversa do sofrimento humano. Falta-nos aquela palavrinha mágica e poderosa, de origem grega, empatia, que significa ter a habilidade de entender a necessidade do outro. De sentir o que a pessoa está sentindo. Nos colocarmos no lugar dela e tentar ver o mundo pela perspectiva dela. Ter a sensibilidade suficiente apara ouvir alguém e entender os seus desconfortos, seus sentimentos e sua dor. Alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram.

Falta-nos humanidade. Estamos perdendo nossos principais valores. A mesma humanidade, que fez uma de nossas empresas aéreas, prestar homenagem solidária aos profissionais de saúde. Numa de suas aeronaves, que se deslocava até Manaus, o comandante chama nominalmente cada um daqueles profissionais ali presentes, que estavam deixando às suas famílias para socorrer, através de seus préstimos à população amazonense. Depois de estarem de pé, foram ovacionados com uma salva de palmas pelos demais passageiros.

Precisamos nos reencontrar e encontrar a nossa humanidade perdida. Fazer o nosso caminho de volta e reencontrar conosco mesmos. O que nos difere dos demais seres é exatamente esta humanidade. Mas ela está cedendo lugar a tirania, a ferocidade, a maldade, a inumanidade, a sevícia, o barbarismo, a selvajaria, a falta de piedade, a malvadez, a crueldade, a atrocidade, a ruindade. Talvez pudéssemos nesta hora, trazer para junto de nós a canção do cantor e compositor Vander Lee “Onde Deus possa me ouvir”, sobretudo no verso: “Pra entender por que se agridem Se empurram pr’um abismo. Se debatem, se combatem sem saber”.

Precisamos ouvir a voz de Deus que grita no nosso âmago. Retomar o caminho de volta, afinal somos cristãos seguidores de Jesus. Que não sejamos cristãos como aqueles aos quais o pastor Henrique Vieira assim se refere a eles: “…Esse cristianismo sem Cristo, sem amor, sem compaixão, sem misericórdia. Um cristianismo de moralidade vazia, de coronéis da fé, de exploração sobre o pobre, de mercantilização da religião.” Que sejamos cristãos verdadeiros com a mesma atitude de Samuel na primeira leitura de hoje: “Fala Senhor, que teu servo escuta”. (1Sm 3, 19) (1Sm 3,3b-10.19)