Estamos vivendo momentos incertos. A dúvida é moradora constante nos nossos pensamentos. Não sabemos o que virá adiante. Não sabemos como será o dia de amanhã. Cada dia é comemorado como se fosse o último, pois não sabemos se vamos estar vivos adiante. Não dá para fazer um prognóstico de como serão os nossos dias futuros. Do jeito que vivíamos acredito que nunca mais serão os nossos dias vindouros. A fé está presente em nós, mas a incerteza também nos acompanha noite e dia.
Tenho acompanhado dias de agonia de alguns padres que conheço. Alguns são meus amigos de longa data. Muitos deles estão vivendo dias de profunda tristeza e angústia. Alguns deles, por não poderem abrir às suas igrejas (prédios), os tem deixado muito tristes e sem ter ou saber o que fazer. Alguns confessam que o medo de estar com alguém, a exemplo do padre Júlio Lancelotti, com as pessoas em situação de rua, os impede de qualquer gesto de solidariedade com aqueles mais necessitados. Alguns destes padres estão cumprindo rigorosamente a quarentena dentro de casa.
Em meio a estas incertezas todas, sabemos que a nossa igreja jamais poderá ser o que era antes desta longa pandemia. Penso que deveremos repensar o nosso jeito de ser igreja. Da forma que vínhamos, não creio que deva ser o jeito da igreja ser, nos tempos de pós-pandemia. Uma igreja que estava mais voltada para dentro si mesma, do que para a vida das pessoas que fazem parte da sua caminhada. Uma igreja com muitas celebrações vazias de significados e de gente descomprometida com a vida do irmão que está sentado logo ali do lado ou nas periferias das cidades, carregando a cruz da sua própria sobrevivência. Celebrações ricas de fervor, mas que não conduziam ao compromisso de lutar pela justiça, ou de construir vida fraterna com aqueles que mais sofrem dentre nós.
Quantos dos fervorosos cristãos de nossas comunidades não escolheram um projeto de morte para o nosso povo nas ultimas eleições? Quantos de nossos ardorosos padres, freiras não apostaram na política necrófila do neoliberalismo nefasto? Quantos direitos suprimidos em apenas ano e meio de (des)governo? Sem falar da falta de compaixão, pelas milhares de mortes, sofrimento e dor das famílias enlutadas. Seria hora de colocar a consciência para funcionar e saber que não fizeram coro ao projeto de vida que Jesus veio anunciar. Ainda continuo acreditando que devem estar sumamente arrependidos de traírem a causa do mestre de Nazaré. Tão claro e objetivo nos seus projetos de revelar o Pai.
A igreja e seus membros mais diretos, padres, bispos, freiras, seminaristas e até o próprio Papa, não deveriam mais ser os mesmos, nos seus afazeres, como meros funcionários do sagrado. Mas assumindo uma igreja fora dos templos de pedra para estar lado a lado com os templos de carne e osso. Uma igreja presente na luta do povo e contra todas as armas da morte que estão presentes no jeito de fazer política dos de alguns membros nos parlamentos. Uma igreja profética que anuncia, mas que também denuncia e dá a vida se preciso for para ver instaurar a justiça, sobretudo para os pequenos. Uma igreja que se apresente, frente às cortes, que se negam fazer e praticar a justiça para com os pequenos. Uma igreja que saiba visitar mais as casas do povo pobre e conhecer mais de perto a vida como ela é. Uma igreja de menos missas vazias de sentido e mais missão encarnada na realidade dos sofredores de Javé. Parafraseando Milton Nascimento, “Todo padre deve ir aonde o povo está”.
Uma igreja que volte às suas origens e beba da fonte cristalina das primeiras comunidades cristãs, a exemplo dos relatos que nos fazem Atos dos Apóstolos: “Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações. Em todos eles havia temor, por causa dos numerosos prodígios e sinais que os apóstolos realizavam. Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Diariamente, todos juntos frequentavam o Templo e nas casas partiam o pão, tomando alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E a cada dia o Senhor acrescentava à comunidade outras pessoas que iam aceitando a salvação.” (At 2, 42-47). Seria um recomeçar, em que as cúrias, paróquias matrizes, catedrais, não fossem o centro das atenções nos desfiles de egos, mas a igreja doméstica que se faz na luta do dia a dia do povo de Deus.