A Igreja que sou onde estou

Iniciamos mais um sábado (13). Estamos findando a terceira semana da quaresma. Caminhando rumo à Páscoa de Jesus vivo Ressuscitado. Preparando-nos para com ELE, celebrar a vitória da vida sobre a morte. ELE que se encarnou na realidade humana para nos mostrar um Deus extremamente misericordioso, mas que, os “homens de bem” de sua época, o rejeitaram. Depois de muita tortura, como prisioneiro político, foi pendurado numa cruz. Tudo por causa da sua fidelidade ao Projeto de Deus, indo até as ultimas conseqüências e dando a sua vida, em consequência de seu compromisso com o Pai.

Iniciei o meu dia como sempre faço: rezando. São tantas pessoas que pedem orações, neste atual momento de sofrimento e dor. Como também sempre faço, agradeço a Deus por mais um dia de vida dado por ELE. Estar vivo a cada manhã é uma dádiva de Deus, razão pela qual, devemos ser gratos ao Pai, por nos conceder o dom da vida. Celebrando e vivendo um dia de cada vez. Não dá para ficar pensando muito no que nos vem pela frente. Nestas horas, sigamos o sábio conselho de Jesus: “Não se preocupem com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações” (Mt 6, 34) Que as preocupações e a ansiedade não nos impeça de viver integralmente um dia de cada vez!

Gosto muito da concepção que os Povos originários têm a respeito de cada dia a ser vivido. Eles sustentam a ideia de que o dia chega até nós, porque o astro rei se encarregou de ir buscar o dia. Se o Sol não vai buscar o dia, ele não vem até nós. Para eles, cada dia é único. Não existe nenhum dia igual ao anterior, me disse certa feita uma das lideranças A’uwé (Xavante). Nem nós somos iguais, nem a natureza, completou. É exatamente assim que o compositor Waldeci Farias nos diz em sua canção “Irmão Sol”: ”Irmão sol com irmã luz, trazendo o dia pela mão…”

Rezar e agradecer a Deus pelo dia que se foi e pelo outro que se avizinha. Estamos vivos, afinal! Em meio a uma pandemia, estar vivo é em si uma vitória. Quantos e quantas não tiveram a mesma sorte que nós e, prematuramente, nos deixaram? E não façamos como aquela pessoa me disse esta semana: “Deus tem o dia certo para nos chamar”. Não podemos confundir as coisas, de achar que tantas vidas ceifadas, fazem parte do desejo de Deus, com a hora marcada para isto acontecer. Até porque, Deus não nos cria para a morte, muito menos para uma morte prematura. Bem o disse a este respeito o profeta Isaías: “Não haverá crianças que vivam alguns dias apenas, nem velhos que não cheguem a completar seus dias, pois será ainda jovem quem morrer com cem anos”. (Is 65,20)

Todavia, neste calendário de mortes sucessivas, ainda há aqueles que estão revoltados com a impossibilidade de reunirem-se nos templos para rezar. Para estes, esta é a única forma de encontrarem com o Senhor e participarem da Eucaristia. Esquecem-se de que o mais importante não é o templo para ser igreja, mas o desafio maior é ser igreja onde quer que estejamos. Como a Eucaristia é o memorial da Paixão Morte e Ressurreição do Senhor, onde estivermos realizando atos de ver a realidade, sentir compaixão e cuidar do caído (Lc 10,25-36), estamos sendo pessoas eucarísticas. Ou seja, estas pessoas que ora reclamam, não são capazes de ficar sem o Sacramento da Eucaristia, mas também não tem qualquer tipo de envolvimento com aqueles e aquelas que estão sofrendo, enterrando seus mortos, desempregados, passando fome, desassistidos, à espera de uma vaga nos leitos dos hospitais. Professam uma fé desencarnada da realidade, mas se julgam os tais diante do Senhor.

O Papa Francisco, que no dia de hoje, celebra o oitavo ano de seu pontificado (13 de março de 2013), trouxe-nos a feliz ideia da “Igreja em Saída”, que vem de encontro a esta realidade. Ele afirma que não é o templo que nos faz ser ou não ser igreja, mas onde quer que estejamos e façamos a experiência de testemunhar a fé, sendo igreja viva ali. Ademais, não aglomerar é a orientação das pessoas estudadas e mais entendidas acerca das formas de proteção e proliferação deste vírus mortal. Forçar a barra para reunir nos templos, é virar as costas para a ciência e colocar em risco a vida das pessoas. “Eu não tenho medo desta pandemia, pois quem está com Deus nada teme”, dirão alguns. Nunca é demais lembrar o que disse Jesus num dos momentos em que fora tentado: “Não porás a prova o Senhor, teu Deus”. (Lc 4,12). Além do mais, quem desafiou o poder de fogo do vírus, não está mais aqui, para contar o restante da história.