A intolerância que mata

Segunda feira da sexta semana da páscoa. Mais uma segundona em nossas vidas. Tive uma noite pra lá de bem dormida. Ontem me dei o direito de tomar um bom vinho. Coisa que não se encontra fácil aqui pelas bandas do Araguaia. Por acaso encontrei um vinho branco português, numa das revendas de bebida da cidade. Com certeza, o dono desta distribuidora não tem a noção exata do valor deste vinho e nem a sua preciosidade, pois estava muito barato. “Ninguém gosta desta porcaria de vinho”, disse-me ele. Fui dormir rico, bonito e poderoso, na companhia de Dionísio e Baco, deuses do vinho.

A segunda prenuncia mais uma semana que teremos pela frente sem muitas novidades. Rezei na companhia da angústia de uma das mães da favela do Jacarezinho, que deu um depoimento triste. O seu “Dia das mães” de ontem não fora nada de especial. Pelo contrário, ainda traz em si as marcas da dor, de ter visto o seu filho sendo retirado de dentro de sua casa e assassinado, na sua frente a queima roupa, pelos policiais que invadiram a favela. Segundo ela, eles foram lá para matar as pessoas jovens, pobres e pretas. Não podemos nos conformar com ação tão funesta. Precisamos ser movidos pela indignação. Faz-nos lembrar de uma das frases ditas por Che Guevara: “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”.

Há muitos sinais entre nós que provoca esta indignação. Se somos seguidores do Nazareno, não podemos ficar calados diante da morte de inocentes. Estamos vendo não somente a morte pela ação do vírus, mas de todas as formas, vemos pessoas sendo sacrificadas no balcão de negócios dos nossos governantes. Como seguidores de Jesus, devemos nos colocar nas mãos de Deus, para que Ele faça de nós instrumentos de sua vontade. Pensando globalmente e agindo localmente, para que o Reino de Deus seja estabelecido entre nós. Ele nos criou para a realização plena de nossos anseios e para vivermos com dignidade de filhos e filhas d’Ele.

A liturgia do dia de hoje nos coloca ainda diante do discurso de despedida de Jesus. O mestre preparando os seus para os dias difíceis que terão pela frente. Ele mesmo se encarrega de dizer-lhes que não teriam vida fácil. A perseguição é inerente e faz parte como consequência daqueles que fizerem a experiência de fé ligada a Jesus: “Expulsarão vocês das sinagogas. E vai chegar a hora em que alguém, ao matar vocês, pensará que está oferecendo um sacrifício a Deus”. Desta forma, a mesma perseguição e marginalização que Jesus sofreu se repetirá a qualquer sociedade e sistema religioso que acoberta a injustiça, uma vez que a proposta do cristianismo é radicalmente diferente e contrária ao mundo. A conivência é a arma dos covardes. Sobre isto nos alertou São Romero de América: “Em um país de injustiças, se a Igreja não é perseguida é porque é conivente”.

Todavia, Jesus também alertou os seus de que eles não estariam sozinhos nesta empreitada. A missão é árdua e será compartilhada com a presença do “Defensor”: “Quando vier o Defensor que eu vos mandarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai”. (Jo 15,26) Desta forma, o sistema de poder que organiza a sociedade e seus adeptos (o mundo) reage com o ódio, pois não aceita os valores do Evangelho, trazidos por Jesus. Não existe qualquer possibilidade de conciliação entre o “mundo” e a comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus. Esta comunidade vive debaixo de suspeita e pressão, e basta um passo para sofrer a perseguição aberta. O confronto cresce, porque o “mundo” não aceita o Deus de Jesus, que denuncia a perversidade desta sociedade injusta.

Somos instrumentos nas mãos de Deus. Instrumentos de transformação. Devemos estar preparados para o que der e vier, se estivermos convictos no seguimento do mestre Jesus. A perseguição virá de todas as formas. E o mais triste é saber que aqueles que perseguem os seguidores e seguidoras de Jesus o fazem em nome de Deus. O deus do mercado capitalista; o deus do fascismo que idolatra o “Cristofascista”; o deus dos lucros fartos; o deus idolátrico da fé intimista e individualista; o deus dos mercadores da fé. Não há fé autêntica sem que haja a perseguição. “Vocês serão odiados de todos, por causa do meu nome. Mas, aquele que perseverar até o fim, esse será salvo. (Mt 10,22) Aqueles que seguem os passos de Jesus terão o mesmo destino d’Ele: sofrer as consequências da missão que liberta e dá vida. Essa missão atingirá os interesses de muitos e, por isso, provocará a perseguição, a divisão e o ódio, até mesmo dentro das famílias. Muitas vezes poderá levar, inclusive, para a condenação nos tribunais. Não temos nada a temer, até porque a missão é dirigida pelo Espírito de Deus.