A lei da exclusão social

Dia 7 de janeiro. Sextou em 2022. Primeira sexta feira do ano depois da Epifania. Um prato cheio para os mais supersticiosos. Vida que segue no canteiro da pandemia. Infecções se alastrando como rastilho de pólvora. Agora juntou o vírus da gripe com o da Covid-19. Para uma cidade tão pequena como o município de São Félix do Araguaia, o quantitativo de pessoas infectadas é alarmante. 50 pessoas estão sendo testadas por dia. Apenas aquelas que apresentam algum tipo de sintoma. Significa que podem haver mais pessoas infectadas que não aparecem nos boletins diários.

A pandemia está aí. Apenas os negacionistas, não admitem que não podemos relaxar e abaixar as guardas. Um vírus mortal veio até nós, deixando a humanidade inteira de joelhos, servindo-nos como uma grande aprendizagem pedagógica: ou mudamos as nossas atitudes em relação a tudo que nos cerca, ou pagaremos um preço ainda mais alto pela nossa negligência e indiferença. Segundo os mais entendidos, vamos ter que reaprender a conjugar a palavra “normalidade”. O “novo normal” na concepção de alguns.

Assim, vamos caminhando para dentro do ano de 2022. A vida não pára! A vida não pode parar! A dinamicidade da existência pede passagem, num contexto em que a vida, mesmo sendo ameaçada em cada esquina, pede atitudes afirmativas e entregas, com cada um de nós sendo desafiado a fazer a sua parte. O todo depende da parte de cada um. Cada um de nós é importante neste processo de construção e reconstrução da vida. Vida a ser vivida em sua totalidade e nunca pela metade. Nenhum de nós foi pensado e projetado para viver senão nesta totalidade. O Verbo de Deus não se encarna na realidade humana para mantê-la tal e qual, mas para que a vida prevaleça em todas as circunstâncias dimensões. (Jo 10,10)

Foi assim que o Mestre de Nazaré se posicionou diante do contexto que nos é apresentado pela liturgia de hoje (Lc 5,12-16). Um homem doente e excluído do convívio social, assumindo a atitude arriscada de sair de si e do lugar social, indo ao encontro de Jesus, pedindo que o libertasse daquele terrível incomodo. A “lepra” era uma doença estigmatizada. À pessoa “leprosa” se impunha um comportamento para que vivesse fora do convívio da cidade com a comunidade. O leproso era marginalizado, devendo viver longe do convívio social, por motivos sanitários, higiênicos e também religiosos (Lv 13,45-46).

No momento em que a pessoa se sente fragilizada e necessitada de cuidado, não pode contar com a convivência dos seus. Uma pessoa marginalizada, sobretudo pelas autoridades religiosas. Esta pessoa enferma se dirige a Jesus de forma clara e objetiva: “Senhor, se queres, tu tens o poder de me purificar” (Lc 5,12). Ao que Jesus prontamente lhe responde: “Eu quero, fica purificado”. (Lc 5,13) Ao curá-lo, Jesus o reintegra à comunidade, devolvendo-lhe o convívio social e, ao mesmo tempo critica as autoridades, que cumpriam literalmente a lei. Para estes, Jesus vai dizer, que o verdadeiro cumprimento da Lei não é declarar quem é puro ou impuro, mas fazer com que a pessoa fique purificada e volte a viver.

A lei que marginaliza e mata as pessoas. Foi assim no tempo de Jesus e é assim também conosco. Pessoas que fazem as leis, mas se esquecem que do outro lado delas, há vidas sendo ameaçadas pela própria lei. A pessoa doente não tinha que conviver apenas com a sua doença, mas também com a lei que era usada para marginalizar a pessoa doente. Aqui entra a pedagogia de Jesus que, ao devolver a saúde da pessoa, permite que ela mesma seja testemunha viva da ação libertadora d’Ele.

Em Jesus, Deus se dá por inteiro a nós. Deus que toma a iniciativa de ser um conosco e se fazer um de nós. Somos seres privilegiados, pois podemos contar com um Deus presente em nossa história humana. Cabe a cada um de nós, como o “leproso”, tomar a iniciativa de abraçar ou não o Projeto de Deus e torná-lo factível, através das nossas ações. Lembrando que todas as nossas ações podem ser ações do Reino ou do anti-Reino. Como cristãos seguidores de Jesus, somos desafiados a sermos cidadãos do Reino, exercendo assim a nossa cidadania. Sem nos esquecermos que a palavra cidadania vem do latim “civitas”, que quer dizer cidade. Cidadãos vivendo localmente o projeto de Deus, quem sabe construindo entre nós aquilo que Santo Agostinho chamava de “De Civitate Dei”, “A Cidade de Deus”, cuja lei não seja de exclusão, mas de defesa da vida por inteiro.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.