A Lei e a profecia

Sexto Domingo do Tempo Comum. Um domingo que nos coloca em sintonia com o projeto de sociedade (Reino) trazido por Jesus, onde a Lei e a profecia, aliadas ao amor e a misericórdia, caminham de mãos dadas como projeto de vida nova. Já caminhamos para meados de fevereiro. A vida segue no seu curso no compasso da necessidade de coerência das nossas ações, se quisermos fazer parte integrante do discipulado do Mestre Jesus. Na amorosidade com que Deus nos acolhe em seu colo, sigamos nos passos de Jesus como dizia Santa Teresa de Jesus: “O Senhor nos ama mais do que nós mesmos nos amamos”.

Amor à causa de Jesus que fez nossa irmã Dorotgy Stang, derramando o seu sangue em martírio. Profecia no seguimento doando a vida. Hoje se completam 18 anos de sua morte. Dorothy Mae Stang, mais conhecida como Irmã Dorothy, foi uma religiosa dos Estados Unidos, mas naturalizada brasileira, membro da Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur. Ela teve o seu assassinato em Anapu, no nosso vizinho estado do Pará. Dorothy levou seis tiros numa emboscada no Assentamento Esperança, onde funcionava o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) da Agricultura Familiar. Infelizmente, em decorrência da impunidade, os que encomendaram esta atrocidade seguem livres leves e soltos.

De profecia em profecia! Por falar em profecia, busquei inspiração nesta manhã junto ao profeta dos pobres do Araguaia. Rezei na companhia de Pedro, ele que soube como poucos dar cumprimento à Lei de Deus em forma de serviço às causas do Reino. Não mediu esforços em se fazer presente nas lutas dos posseiros, indígenas, ribeirinhos destas bandas do Araguaia. Para ele, o “mandamento maior” era a defesa da vida plena para todos. Com esta sua atitude de resistente teimosia, despertou a ira dos grandes latifundiários, que tentaram, por vários meios, calar a sua voz profética em defesa dos pequenos. No cumprimento fiel das Bem Aventuranças tinha como projeto de vida: “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar.“

“Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20) Fazer parte da dinâmica do Reino é o desafio de todos nós. Seguimos neste domingo dando continuidade ao texto do Evangelho do domingo passado, refletindo sobre o “Sermão da Montanha”, que compreende os capítulos de (Mt 5–7) O evangelista Mateus coloca na boca de Jesus as palavras que apresentam um programa de vida que perpassa toda a sua vida e se estende aos que o seguem, tendo como luz fundante as “Bem Aventuranças”. Mas não se trata de um cumprimento literal e esvaziado da Lei, mas buscando uma nova maneira de interpretá-la, tendo por base a profecia: a Lei e os profetas.

Não se trata de cumprimento de normas, doutrinas e preceitos estáticos burocráticos, mas tendo por base o amor e a misericórdia, ver na Lei aquilo que conduz à plenitude da vida humana. Na compreensão de Jesus, a Lei não deve ser observada simplesmente por ser lei, mas por aquilo que ela traz de justiça. Deus é amor, mas também é justiça. A justiça de Deus é plena de misericórdia. Não se cumpre a Lei através de observâncias minuciosas, criando uma estrutura escravizante. Cumprir a Lei é buscar nela a inspiração para a prática da justiça e da misericórdia, afim de que a pessoa tenha vida e relações de amorosidade mais fraternas. Como o próprio Mateus assim o definiu mais adiante: “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão acrescentadas a vocês”. (Mt 6,33)

“Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento”. (Mt 5,17) Ele viveu intensamente a proposta da Lei, mas movido pelo espírito de amorosidade, compaixão e misericórdia para com os pequenos. Jesus vai além da escrita da Lei, dando-lhe vida na vida das pessoas que com ele conviviam. Também nós somos chamados e enviados a ser em nós a letra viva da Lei que liberta e salva. Tudo isso sem a necessidade de juramentos, até porque a mentira e a desconfiança pervertem as relações humanas. Jesus exige de cada um de nós um novo relacionamento em que sejamos verdadeiros e responsáveis na nossa prática de fé. A regra de vida para o cristão que segue os passos de Jesus são as “Bem Aventuranças”. Nelas está contido o projeto de vida sonhado por Deus para a humanidade. Que sejamos coerentes na nossa vivência da fé, seguindo o conselho dado por Jesus: “Seja o vosso ‘sim’: ‘Sim’, e o vosso ‘não’: ‘Não’. Tudo o que for além disso vem do Maligno”. (Mt 5,37)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.