A Lei e a profecia

Quarta feira da Terceira Semana da Quaresma. O tempo quaresmal segue nos provocando para as mudanças necessárias, como forma de fazermos o encontro pessoal com Deus na pessoa do Filho. A conversão é o imperativo primeiro que nos coloca em sintonia com o Projeto de Deus. Uma fé madura e consistente nos impulsiona à coerência e atitudes concernentes com o Reino que precisamos construir entre nós. Não de observância de leis, normas, prescrições e preceitos, mas atitudes fundamentadas no amor fraternal de irmão e irmãs que somos.

Dia 15 de março nos remete a um acontecimento ocorrido há 29 anos. No dia 15 de março de 1994, Dom Aloísio Lorscheider, foi feito refém e, posteriormente, sequestrado por um grupo de presos amotinados do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), em Fortaleza. Os presos aproveitaram de uma visita do cardeal para criar um fato que chamasse a atenção para as reivindicações da população carcerária: superlotação, condições desumanas, maus tratos, presos sem julgamento. O lado profético de Dom Aloísio falou mais alto quando disse na ocasião: “Nossos sequestradores são jovens carentes. Infelizmente é só esse tipo de gente que está na cadeia e não são assim tão perigosos, ainda mais no Brasil onde pessoas muito mais perigosas estão soltas por aí”.

Este fato do Cardeal Lorscheider nos faz refletir sobre o nosso sistema carcerário. O Brasil possui hoje uma população de 919 mil presos, perfazendo o terceiro lugar no ranking internacional, perdendo apenas para China e Estados Unidos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Cerca de 70% da população carcerária está na faixa etária de 18 a 27 anos. Um dado ainda mais preocupante é que o encarceramento atinge a população negra e pobre. Entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos, sem nos esquecermos que 53,63% da população brasileira é constituída por estas pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/2010 – IBGE.

Ao contrário do que diz o dito popular, no Brasil, a justiça tarda e falha. Quando Dom Aloísio afirmava que as pessoas mais perigosas não estavam dentro dos presídios, ele trazia em si uma afirmativa plena de razão. Há centenas de políticos nos nossos parlamentos por este Brasil afora que são infinitamente mais perigosos que os pobres, pretos e pardos que estão encarcerados nas nossas prisões, com poucas possibilidades de ressocialização, já que o nosso sistema prisional é comprovadamente falho. No seu gesto humanitário, Dom Aloísio ainda disse: “Para mim, aumentou o amor por essa gente e a necessidade de dedicar-me ainda mais aos presidiários, que são os excluídos da sociedade”.

A lei e a justiça. A lei e a profecia. Estamos no dia de hoje refletindo sobre estas duas realidades. Até onde vai a lei e até onde vai a justiça? Entre a lei e justiça há a profecia. É o que Jesus está tentando nos dizer com o texto do Evangelho de Mateus que a liturgia nos reserva para o dia de hoje. Jesus começa fazendo uma afirmação que requer o nosso entendimento: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. (Mt 5, 17) Lembrando que o texto de hoje é uma perícope que faz parte do chamado “Sermão da montanha” que vai do capitulo 5 ao 7 de Mateus.

Se bem entendido, a Lei – Torá, compõe os cinco primeiros livros (Pentateuco) do livro sagrado da religião judaica, cuja origem vem do termo hebraico “Yará”, significando “ensinamento”, “instrução” ou “lei”. São eles: Gênesis; Êxodo; Levítico; Números; Deuteronômio. Os profetas compõem o quarto bloco da Bíblia. Geralmente são divididos em “Profetas Maiores” e “Profetas Menores”. O primeiro deles é formado por quatro profetas: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. Já os Profetas Menores são doze: Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. Todavia, além desses, a Bíblia insere o profeta Baruc e o livro das Lamentações, que não é considerado livro profético. Assim, ao todo são dezoito livros, que fazem parte desse bloco conhecido como “Livros Proféticos”.

As Leis foram criadas para orientar o Povo Israelita que havia saído dos 400 anos de escravidão no Egito. Assim, as Leis vieram com a finalidade de alertar este povo para que jamais voltassem a viver na escravidão. Os profetas são aqueles que zelam por estas Leis, para que se cumprissem assim as promessas de Deus para o seu povo. Eles denunciavam todas as formas que contrariavam as Leis, ameaçando a vida. Quando Jesus afirma que Ele não veio abolir nem a Lei nem os profetas ele quer dizer que não nos basta cumprir a lei, mas buscar nela aquilo que ela realiza de justiça. Na perspectiva do amor, devemos encontrar na lei a inspiração maior para a prática da justiça e da misericórdia, afim de que as pessoas tenham vida e relações de amorosidade mais fraternas, concretizando assim o grande sonho de Deus para nós.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.