A luta pela terra

31 de janeiro. Estamos repassando o mês para o seguinte. O ano segue na mesma toada que vínhamos vivenciando no ano anterior. Quando pensamos que a pandemia caminha para o seu fim, vêm-nos informações contrárias, com variantes ocupando nossos espaços do bem viver, colocando em risco as nossas vidas. Agora mais das crianças. Que triste conviver com a situação de pessoas tão inocentes, correndo risco de morte. Resta-nos rezar com o salmista: “Você que habita ao amparo do Altíssimo, e vive à sombra do Onipotente, diga a Deus: “Meu refúgio, minha fortaleza, meu Deus, eu confio em ti!” (Sl 91, 1-2)

O mês de janeiro trouxe-nos comemorações especiais. Dentre elas, o aniversário de 37 anos de vida plena do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Movimento que traz em suas veias a força da agricultura familiar. O MST faz incidir sobre a terra aquilo que a Igreja Católica no seu ensino social chama de Função social da propriedade. O próprio Papa João Paulo II, assim nos dizia que “sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”. A Conferência Episcopal de Puebla (1979) foi muito clara ao assim escrever: “A propriedade compatível com a destinação universal dos bens é acima de tudo um poder de gestão e administração, que, sem excluir o domínio, não o faz absoluto nem ilimitado.” (Puebla, n. 492).

A terra sempre foi um problema crucial a ser resolvido no Brasil. Desde as Capitanias Hereditárias, elas estão concentradas nas mãos de poucos privilegiados, que nem sempre respeitaram a função social da terra. Lembrando que as tais Capitanias Hereditárias representam a primeira tentativa de divisão administrativa e territorial, feita ainda pelos portugueses, durante o período colonial. Elas surgiram por ordem do rei D. João III, no ano de 1534, entregando as terras aos os donatários que nada mais eram que comerciantes ou pessoas que pertenciam à pequena nobreza de Portugal. Ou seja, uma “Reforma Agrária” para entregar nas mãos das famílias da elite o usufruto de grandes extensões de terra.

Uma pequena amostra de como a questão fundiária só se agravou ao longo dos séculos. A estimativa é a de que apenas 1% de nossa população detém em suas famílias 49% das terras agricultáveis. Sem falar que o Brasil figura entre os três países que mais matam pessoas que lutam pela terra e ambientalistas. Uma luta desigual, pois para os grandes proprietários rurais, o MST representa uma grande ameaça ao seu patrimônio, pois se tratam de pessoas que se especializaram na arte de “invadir” terras no Brasil. Ocupar! Resistir! Produzir! Como diz o lema do MST.

Também os povos indígenas vivem um grande dilema sobre os seus territórios. Eles também são “Sem terras”. Ameaçados diuturnamente no espaço de seus territórios. O grande marco legal para a preservação das terras indígenas foi sem dúvida a Constituição Federal de 1988: Art. 231″São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Uma letra morta na agenda dos grandes pecuaristas, madeireiros, garimpeiros e plantadores de soja, que crescem cada vez mais o seu olho gordo, frente aos territórios indígenas, afirmando que são “terras improdutivas”.

“Índio tem muita terra”, uma falácia que se repete a exaustão aos quatro cantos do Brasil. Terras estas que não passam de 13% de toda a extensão territorial do Brasil que se constitui dos vastos 8.516.000 km². Sem nos esquecermos que os territórios indígenas têm uma função estratégica na proteção da natureza e preservação dos recursos naturais, e por esta razão os povos originários são os responsáveis diretos pela preservação das florestas, mananciais flora e fauna e também essenciais no equilíbrio climático e da conservação do bem viver no mundo inteiro.

Demarcação já! Gritam desesperados as lideranças indígenas e os parceiros como o Conselho Indigenista Missionário, órgão da Igreja Católica, ligado diretamente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O CIMI estará completando neste ano, 50 anos de muita luta em favor dos povos indígenas. Apesar da legislação brasileira vigente, ser bastante clara, muitos territórios indígenas sequer foram homologados, quanto mais demarcados. Enquanto a demarcação não chega, segue a rotina de especulação/invasão das terras que são da União, cujo usufruto específico é das populações indígenas, que sobre elas habitam.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.