A luz da verdade

Segunda feira da vigésima segunda semana do tempo comum. Neste dia a Igreja Católica festeja o Martírio de São João Batista. O primeiro mártir da caminhada. O profeta que fecha o Antigo Testamento, abrindo o horizonte do Novo, com a chegada do Verbo encarnado em nossa realidade humana. O Batista é o mártir da verdade que não temia a luz, mas denunciava as estruturas de morte do banquete dos poderosos. Um homem “justo e santo”, como o Livro dos Atos dos Apóstolos o definia (At 3,14). João foi condenado à morte por não temer a verdade. Sua ação destemida e corajosa abriu espaço para dar lugar ao Messias, que também seguiu na mesma direção.

Rezei nesta manhã tendo como objeto de minha conversa com Deus a realidade do martírio de João Batista. Martírio que entrou ainda muito cedo na vida das primeiras comunidades cristãs. O discipulado de Jesus sentiu na própria pele desde os primórdios do cristianismo, as marcas de ferro dos poderosos. O banquete da morte que decretou a morte do Batista segue ainda hoje matando e destruindo vidas, seja pela fome, pela carestia, pelo desemprego, pela falta de moradia, pelo abandono, pelo preconceito, pela intolerância. Os Batistas de ontem seguem sendo maltratados, perseguidos e mortos nos corpos da juventude negra da periferia e nas mulheres vítimas do feminicídio.

O banquete da vida e o banquete da morte. Duas realidades distintas. De um lado está o autor da vida que é Deus na pessoa de Jesus de Nazaré. De outro estão os poderosos que, no banquete da morte, tramam a sorte do justo (Sl 125,3). No reino da tirania, a verdade se faz objeto de interesse pessoal daqueles que atropelam a verdade no formato de exercício do poder. Entre o Reino de Deus e o reino da tirania há um abismo imensurável. Pelo menos é o que fica evidentemente entre o Projeto de Deus prenunciado por João Batista e revelado em Jesus, e o reino da tirania defendido pelo governador Herodes. Governante cruel e sanguinário que, no exercício do poder, ordena o assassinato de João Batista, oferecendo a sua cabeça numa bandeja. Se em Jesus se personifica o Reino da Vida, Herodes representa o reino da morte.

O banquete da vida e o banquete da morte. Duas realidades distintas convivendo lado a lado, restando-nos a necessidade de fazermos o discernimento de qual lado estamos nós. Diante de realidades tão distintas e contraditórias, não basta dizer que tem fé em Jesus. É preciso ter lado, ter posição definida. Realidades que também vivemos nos dias atuais. Os dois projetos sobreviveram ao tempo e estão presentes para nos desafiar. De um lado, o Projeto de Deus. De outro, o projeto daqueles que arquitetam a morte dos pequenos. Somos desafiados a fazer o discernimento e escolher qual deles iremos abraçar e defender. Os que se fazem presentes no banquete da morte, com a sua cegueira moral, não conseguem enxergar, por exemplo, a fome que corrói as entranhas de mais de 30 milhões de pessoas somente aqui no Brasil. Herodes de ontem e de hoje em nossa trajetória histórica.

O Projeto de Deus é pela vida abundante para todos e todas. Este projeto de vida não é algo a ser vivido nas nuvens, mas passa pela nossa realidade histórica. Viver de forma integral pressupõe estarmos inseridos na realidade social, política e econômica. Como João Batista, o seguidor de Jesus precisa também caminhar sob a luz da verdade. Já no Antigo Testamento este era também o desafio do povo de Deus, como nos relata o Livro do Deuteronômio: “Eu lhe propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolha, portanto, a vida, para que você e seus descendentes possam viver”. (Dt 30,19) A vida e a morte, a felicidade e a desgraça dependem da opção histórica que vamos fazendo ao longo da vida. Quantos de nós ainda equivocadamente seguimos apoiando os projetos de morte com a firme convicção de que estamos do lado do banquete da vida trazido por Jesus?

João, o profeta da esperança. O Mártir da caminhada de todos aqueles e aquelas que trilham nas mesmas pegadas de Jesus. Soube como ninguém se colocar no lugar que lhe era devido. Humildade em carne e osso. Anunciou com a própria vida o Messias, sem querer ter a pretensão de se colocar no lugar deste: “Depois de mim, vai chegar alguém mais forte do que eu. E eu não sou digno sequer de me abaixar para desamarrar as suas sandálias”. (Mc 1,7) O Messias anunciado por João vai provocar uma grande transformação. Nós também, ao fazermos a nossa adesão a Jesus e, à luz do Evangelho, devemos ser estes agentes de transformação da realidade que estamos vivendo. O contrário disto é alimentar uma fé desconexa e amorfa, como nos ensinou São Tiago quando diz: “A fé sem obras é morta”. (Tg 2,26). Como membros da Igreja, devemos demonstrar a nossa fé vivendo de acordo com o evangelho, à luz da verdade.
Viva o banquete da vida!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.