A morte como paradigma

Quarta-feira (10) da terceira semana da quaresma. Uma quaresma atípica veio fazer parte das nossas vidas através da pandemia. Com a morte nos rondando cada vez mais próxima. No dia de ontem, o Brasil registrou cerca de 1.954 vidas ceifadas do meio de nós. Este é o maior número registrado, desde que a pandemia começou. Vidas como a da nossa ex-secretária de educação do município de São Félix do Araguaia, Dinalva Ribeiro da Silva, que perdeu a luta para a Covid-19 e partiu para a Casa do Pai no dia de ontem, com os seus 47 anos incompletos. Uma pessoa que vai nos fazer muita falta. Vivia com o sorriso estampado em seu rosto.

Mesmo neste clima desastroso que estamos vivendo, algumas coisas seguem acontecendo, através de pessoas que perderam completamente o senso do ridículo. Ontem, por exemplo, um evento sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021, com a participação da teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, Maria Clara Bingemer. O malévolo Centro Dom Bosco se achou no direito de invadir o chat, com mais de 500 ataques estúpidos e grosseiros à professora. Certamente, Dom Bosco está a estas horas muito triste, de saber que em nome de Deus, várias atrocidades estão sendo feitas por uma instituição que leva o seu nome. Os escribas e fariseus hipócritas do tempo de Jesus, também se fazem presentes cá entre nós nos dias atuais.

As noticias que nos chegam não são nada animadoras. O sistema de saúde colapsou em várias cidades espalhadas pelo Brasil. É a morte tendo a última palavra, acompanhadas dos gracejos sínicos e a total incompetência daqueles que deveriam cuidar para que a vida fosse preservada. Empatia é a palavra que não faz parte do dicionário deles. Se a Justiça humana tarda e falha, a justiça de Deus é implacável. Esta é a nossa esperança de que estes que agora zombam da morte do inocente, estarão sentados um dia no banco dos réus. Deus haverá de ouvir o clamor dos seus filhos, assim como também aconteceu no Egito. “Vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor, por causa dos seus opressores. Conheço o seu sofrimento; por isso, desci para livrá-lo da mão dos egípcios e fazê-los subir daquela terra a uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel”.(Ex 3, 17)

Também aqui entre nós a situação não está boa. Na população presidiária, a cada dia aparecem casos novos de infecção. O Vírus circula entre nós, mesmo diante da indiferença de algumas pessoas. É preciso mais do que nunca que fiquemos em casa e nos cuidemos. Até as nossas celebrações presenciais foram canceladas em todos os espaços. Como mesmo disse o nosso bispo Dom Adriano: “É preciso ficar em casa. Se o principal mandamento é o amor a Deus e ao próximo, tem que fazer de tudo para proteger a vida dos outros, e evitar espalhar o vírus ficando em casa. É um ato de amor ao próximo, que vale mais que muita reza sem compromisso.”

No texto que nos é proposto para as nossas celebrações no dia de hoje, vemos Jesus sendo bastante incisivo quanto a Palavra de Deus (a lei). “Quem desobedecer a um só desses mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será considerado o menor no Reino dos Céus. (Mt 5,19) Não se trata aqui de qualquer lei. Também, a lei não deve ser cumprida simplesmente por ser lei, mas por aquilo que ela realiza de justiça. Cumprir a lei a risca não significa subdividi-la em observância cega e burocrática sem qualquer sentido. Significa buscar na lei a inspiração para a justiça e, sobretudo, a misericórdia, a fim de que as pessoas tenham vida e relações mais humanas e fraternas. Deus é o Senhor da vida! A lei vem garantir a vida plena para todos os seus. Exatamente o contrário das leis que regem as nossas vidas hoje, impostas por interesses econômicos, de capitalistas inescrupulosos, impedindo os pobres de terem a sua vida plena, garantida por Deus na sua Lei.

A Palavra de Deus é a verdade! Sua Lei liberdade! Já as nossas leis, nos escravizam e causam a morte dos inocentes. Aqueles que se assentam nas cadeiras parlamentares e se dizem nossos representantes, são os primeiros a arquitetarem leis que nos oprimem e matam. “Eles atentam contra a vida do justo, e condenam à morte o inocente”. (Sl 94,21) Passam o dia e a noite tramando contra a vida dos inocentes, como fez o Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPE), que decidiu ontem pela inconstitucionalidade da Lei 510/2013, que garantia a dobra do poder compra dos salários dos profissionais da Educação do Estado, num período de 10 anos. Tal decisão permite assim o descumprimento da lei, por parte do senhor governador. Lembrando que os salários destes profissionais já estão defasados em 35% até a presente data.

Isto sem falar dos preços nas prateleiras dos supermercados. Estão pela hora da morte. Comer está muito caro. Por aqui já estamos pagando R$ 6,70 por um litro de gasolina. “É preciso construir novos caminhos”, disse-nos o Papa Francisco, na sua proposta da Economia de Francisco e Clara. Ao invés de construirmos muros de segregação, somos desafiados a construir pontes que nos levem à vida. Basta desta economia que ai está! Ela gera ainda mais mortes, pois o que está em primeiro plano são os lucros fartos dos grandes banqueiros e capitalistas desonestos que, mesmo numa crise sanitária, vêem seus lucros crescerem vergonhosamente, enquanto vidas estão sendo tiradas.