A morte do profeta

Sexta feira da Quarta Semana do Tempo Comum. Fevereiro chegou “sextando”. O primeiro final de semana se aproxima nos colocando na dinâmica da vida que segue o seu curso. Os desafios se apresentam no cotidiano das nossas vidas, onde somos chamados a dar respostas eficazes a cada dia. Nem sempre que a resposta de hoje servirá para amanhã. Cada dia é único e não voltará mais para que possamos fazer diferente. Como diria Renato Russo, “não sei onde estou indo, só sei que não estou perdido, aprendi a viver um dia de cada vez”. Viver um dia de cada vez para não perder as surpresas que a vida nos reserva.

Hoje a Igreja nos propõe celebrar a Festa de São Brás, bispo e Mártir da Igreja. Médico e protetor da garganta viveu entre os séculos III e IV na Armênia. Período em que a Igreja foi severamente perseguida pelo imperador Licínio, da mesma família de Constantino. Como bom médico que era, cuidava do bem estar do corpo das pessoas e também de seu interior, num trabalho de evangelização. Morreu em 316 d.C., na Turquia, quando as perseguições continuaram, desta vez sob o comando do Imperador Dioclecius (284-305).

Fevereiro vai dando as suas coordenadas. O verão, como estação de contrastes, alterna entre um calor absurdo e as chuvas torrenciais com muito barulho. Esta manhã não foi assim, uma vez que a mansidão dela se fez em pingos, saudando o novo dia. Entre a escuridão da noite se fazendo dia, ela se fez presente no frescor da manhã. Este clima deu folga ao sol, que hoje dormiu até um pouco mais tarde. Neste cenário bucólico, rezei contemplando a vida do Profeta João Batista, que na liturgia do dia de hoje, Marcos narra para nós os seus últimos dias de vida. Tudo por causa da truculência de um rei que não conseguia conviver com a verdade dita pela boca do profeta.

Rezei nesta manhã tendo como objeto de minha conversa dialogal com Deus a realidade do martírio do precursor. Martírio que entrou ainda muito cedo na vida das primeiras comunidades cristãs. O discipulado de Jesus sentiu na própria pele desde os primórdios do cristianismo, as marcas de ferro dos poderosos. O banquete da morte que decretou a morte do Batista segue ainda hoje matando e destruindo vidas, seja pela fome, pela carestia, pelo desemprego, pela falta de moradia, pelo abandono, pelo preconceito, pela intolerância. Os Batistas de ontem seguem sendo maltratados, perseguidos e mortos nos corpos da juventude negra da periferia e nas mulheres vítimas do feminicídio.

Muitos outros Batistas seguem morrendo ainda hoje no meio de nós. A fome tem se encarregado de tirar a vida de muitos inocentes. Os poderosos continuam ceifando vidas nos banquetes da morte de suas ganâncias, acumulação e concentração de renda, na promoção de uma sociedade desigual. Pensando nisso, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresenta para nós neste ano a Campanha da Fraternidade (CF/2023). O tema é “Fraternidade e fome”, juntamente com o lema “Dai-lhes vós mesmo de comer” (Mt 14,16). Tudo para incentivar as nossas comunidades a assumir suas responsabilidades ante a situação da fome que persiste no Brasil, a exemplo do Mestre Jesus. Somos interpelados a despertar em nós o espírito solidário e de compromisso que deve estar presente em todos que querem ser discípulos do Mestre Jesus.

Com a morte de João Batista, Marcos apresenta para nós de forma mais alongada que os demais evangelistas. Na morte violenta do Batista, há o prenúncio de qual será o destino de Jesus e de todos aqueles e aquelas que o seguem. Fazer parte do discipulado de dele está implícito a perseguição, pois aqueles que não suportam conviver com a voz da verdade, estarão sempre prontos e dispostos a tramar a morte dos que proclamam a verdade. A morte de João acontece dentro de um banquete de poderosos. O profeta que anunciava o início de transformação radical em Jesus é morto por aqueles que se sentem incomodados com essa transformação. Os que se beneficiam das estruturas de uma sociedade injusta e desigual não suportam as mudanças propostas em favor da vida. Como a Oração da CF nos diz: “ajudai-nos a promover uma sociedade mais solidária, sem fome, pobreza, violência e guerra”. Amém!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.