A morte do sonho

28 de dezembro. Oitavas do Natal. Caminhamos rumo ao despertar de um novo ano. Dentro em breve, iremos descortinar o horizonte de uma nova etapa em nossas vidas. Enxergar outra realidade possível. Temos em nossas mãos a chance de avançar na construção de outro mundo mais humanizado. Passar o Brasil a limpo e tirá-lo das mãos daqueles que se apossaram de nossos sonhos, tirando-nos a esperança. Esperança que é o sonho do ser acordado, na concepção do filosofo estagirita grego Aristóteles (384 a.C-322 a.C).

No dia de hoje a Igreja nos convida a celebrar a Festa dos Santos Inocentes. Festa esta instituída no pontificado do Papa Pio V (1566-1572). Em pleno período natalino, celebramos aquilo que brotou de uma chacina, patrocinada pelo rei Herodes Magno, o Grande, que reinou entre os anos de 37 a.C. a 4 a.C. Este governante, subserviente ao poder romano, ficou conhecido na História do cristianismo por ser uma pessoa sanguinária e um rei odiado pelo povo. Foi ele quem mandou executar os meninos menores de 2 anos, conforme nos relata o Evangelho de hoje, por se sentir enganado pelos Reis Magos e ameaçado em seu reinado pelo menino nazareno.

Jesus, um menino pobre da periferia de Nazaré, que ameaça o poder daqueles que se julgam grandes e poderosos. O pobre casal de Nazaré, que se vê obrigado a defender da prepotência daqueles que se acham donos do mundo. Uma família de exilados cumprindo a sina, que é obrigada a refugiar-se no Egito, para que a vida fosse preservada. Jesus que vem trazer para nós o sonho de Deus, sendo obrigado a se defender da opressão dos tiranos da história. A vida que é Dom Maior de Deus para nós, sendo ameaçada pelos apologetas da morte.

Num tempo em a vida do Menino Deus é celebrada, como entender que a liturgia nos traga o contexto da morte dos inocentes? Na realidade, trata-se do Natal sob a perspectiva de manter os nossos pés fincados no chão da realidade. A Festa da Natividade do Filho de Deus não tem o propósito de nos afastar da problemática vivenciada no cotidiano de nossa realidade. Pelo contrário, somos desafiados a trazer para dentro de nossas festividades a dor e o sofrimento de tantos inocentes que estão perdendo as suas vidas, pela crueldade das políticas que não são pensadas para atender aos interesses dos pequenos.

Herodes de ontem, e também de hoje, que continuam patrocinando a morte de muitos santos e santas inocentes. Herodes que não querem que nossas crianças de 5 a 11 anos, sejam imunizadas contra a Covid-19, dificultando ao máximo que tais imunizantes cheguem enfim às crianças. Herodes que vão passear nos finais de semana, enquanto centenas de milhares de inocentes estão com suas casas destruídas pelas águas da chuva. Herodes do agro que não são capazes de se solidarizar com aqueles que estão passando fome e não fazem como o MST que distribuiu 700 toneladas de alimentos às famílias carentes, somente no período do Natal. Seria pedir demais a estes (agro) produtores, uma vez que eles não produzem alimentos, mas apenas lucros. Sendo assim, não vão querer compartilhar o lucro.
O sonho é a nossa força maior que trazemos no âmago de nossas entranhas. É o sonho que nos mantém vivos, acreditando sempre no dia de amanha. É o sonho que nos faz ir de encontro às utopias do Reino, fazendo de nossa práxis, o esperançamento de dias melhores. Aliado da esperança é o sonho que nos faz pensar mais adiante, acreditando que por mais que a noite seja escura, o sol nos trará a força do amanhã, descortinando um novo horizonte. Sonhar com o Menino Jesus o sonho de Deus. Fazer do nosso sonho o mesmo sonho de Jesus que fez da Galileia, terra dos pagãos, o ponto de partida para esse novo mundo sonhado por Deus para os seus. Não permitamos que matem os nossos sonhos. Não permitamos que nos tirem a esperança de viver e de sonhar.

A estrela de Belém guiou o sonho dos Magos do Oriente e também do pobre José, que avançou sobre a noite escura na procura de abrigo seguro para sua família. As estrelas estão presentes nas nossas vidas, orientando os nossos passos no caminhar seguro. Orientados por estas estrelas, precisamos sonhar para também garantir a vida de tantos inocentes ameaçados. Como nos dizia o psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Alves, “é preciso ensinar a sonhar, porque o sonho é desejo, e o desejo é a base do pensamento e da inteligência”. Que venha logo 2022! Que sejamos guiados pela estrela de Belém e outras estrelas reluzentes, mostrando-nos o caminho do sonho, de uma vida melhor para os pequenos, longe da fúria sanguinária dos Herodes plantonistas.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.