A negação do óbvio

A sexta-feira (22) chegou num clima de muita incerteza ainda com relação a vacina. Por aqui, os indígenas estão sendo vacinados. Ontem, o grande cacique Iwraru Karajá, cacique da aldeia Watau, recebeu a sua dose. Entretanto, parte dos povos indígenas, segue resistentes à vacina, orientados (desinformados) por algumas lideranças evangélicas, presentes no meio deles. Triste, mas está é a realidade. Não é novidade estes pastores neo pentecostais, terem este tipo de atitude, afinal tempos atrás, ouvi da boca de um deles, que as expressões culturais (rituais) dos indígenas eram coisas do demônio. Pena que este pastor é um dos indígenas.

Passei grande parte do dia de ontem, tentando convencer (em vão), um dos professores indígenas sobre a importância da vacina. Por mais que eu insistisse, ele estava apegando a um áudio que recebera, dando conta de que a vacina veio para matar as pessoas. Nos outros países já haviam morrido vários que tomaram a vacina, mas que a grande imprensa, não estava divulgando tal informação. Por mais que eu dissesse a ele que, se estava vivo inda hoje, foi por causa das vacinas que tomara ainda quando criança, não consegui demovê-lo da ideia de que não vacinaria.

Situação pior vivenciei semana passada. Uma médica de um grande centro urbano descobriu o meu contato, e propôs que eu convencesse os nossos indígenas da importância do uso da Cloroquina e da Hidroxicloroquina, para o “tratamento preventivo” da Covid-19. Ela, inclusive se propôs a enviar a quantidade necessária para o atendimento de toda a população indígena. Depois de infrutífero diálogo, desisti da conversa com ela. “Mas eu sou médica e estou indicando para os meus pacientes”, me garantiu ela. Só desistiu de falar comigo depois que eu lhe disse que ela, apesar de médica, não era pesquisadora, infectologista e nem epidemiologista. Ficou mais brava ainda quando eu lhe disse que a minha preocupação maior nem era o fato dela assim pensar, mas dos pacientes que lhe “cairiam” às mãos.

É impressionante como as pessoas insistem em querer negar o óbvio. Todo o avanço da ciência e do conhecimento científico, de nada importa para estas pessoas. A vacina então está sendo tratada como coisa de outro mundo. Ela não salva vidas, mas veio para causar mais mortes ainda. Importante salientar que foi feito um levantamento e se constatou que dos dez municípios com mais de 100 mil habitantes que distribuíram oficialmente um kit com medicamentos para o chamado “tratamento precoce”, no ano passado, nove deles registram uma taxa de mortalidade por covid-19 mais alta do que a média estadual. Mesmo diante de tal levantamento, alguns ainda insistem no tal “tratamento precoce”. Cômico se não fosse trágico.

Mas vamos falar de coisa boa. Nem tudo é tragédia entre nós. Precisamos destes lampejos de sanidade, mesmo diante de tanta incúria. Neste ano de 2021, o destacado centro de pesquisa biológica, INSTITUTO BUTANTÃ, fará 120 anos de existência. Sua criação está datada de 23 de fevereiro de 1901. Ele que tem feito um trabalho gigantesco na produção de imunopreveníveis para a população brasileira e saindo na frente na produção da vacina contra o novo coronavírus. Falem o que quiserem, mas são servidores públicos que estão à frente deste grande projeto que já salvou centenas de milhares de vidas entre nós.

Negar a ciência em nome da fé e da religião é um dos maiores equívocos cometidos nos dias atuais. Ao contrário do que alguns possam pensar ciência e fé, ciência e religião, não são incompatíveis e incongruentes. Neste sentido, a ciência é aquele conhecimento mais elaborado (sistematizado) que os/as cientistas podem elaborar/construir para o bem da humanidade. Enquanto a religião é entendida como o conjunto de crenças, valores práticas e expressões dos principais grupos humanos ao longo do desenvolvimento da história humana. Um dos maiores físicos e humanistas alemão do século XX, Albert Einstein (1879-1955) chegou a firmar com todas as letras que: “A ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega”.

No dia de ontem, (21) comemoramos um grande feito entre nós: Dia nacional do combate à intolerância religiosa. Diariamente temos convivido com atos de intolerância entre nós. Desrespeitos, atos de discriminação e de invasão a terreiros e templos de Candomblé e Umbanda, num total desprezo pelas tradições espirituais de matriz africana e indígenas. A intolerância é algo que nos diminui enquanto seres humanos. E quando falamos de intolerância, não é no sentido de que devemos tolerar o outro, com as suas crenças, mas respeitá-lo. Lembro-me de um relato dos primeiros missionários quando chegaram à África, no intuito de “levar Deus ao povo africano”. Qual não foi a sua surpresa ao perceber que Deus já estava lá há muito tempo.