A semana só está começando. Apesar de o domingo ser o primeiro dia da semana, ela só começa para nós na segunda-feira. Esta não é uma boa segunda, para se começar a semana. Tudo porque, mais uma liderança do MST, foi cruelmente assassinada no Paraná. Depois de ser sequestrado, o dirigente estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ênio Pasqualin, foi brutalmente assassinado a tiros entre a noite de sábado (24) e a manhã deste domingo (25), em Rio Bonito do Iguaçu, cidade do interior do estado onde vivia com sua família.
Vivemos literalmente a nossa noite escura. Não somente por causa de uma pandemia que já ceifou centenas de milhares de vidas humanas, mas pelo contexto sócio-político-econômico que ora vivemos. Experimentamos uma crise de valores surreal, sem precedentes na história, que nos assusta. Retrocessos em todos os níveis das nossas vidas. Frente a este contexto, jamais poderemos ficar indiferentes e achar tudo isso é normal. Pelo contrário, precisamos nos revestir do espírito de indignação e fazer o enfrentamento desta terrível situação. Não dá para ficar calado.
É esta a noite terrivelmente escura que sentimos na própria pele. Nem o mais pessimista entre nós, poderia prever que escreveríamos está pagina tão obscura de nossa história. Bem que o bispo Pedro já falava desta noite escura dos pobres. Segundo ele, a vida dos empobrecidos, não é de dia, é de noite, “noite escura”. Muito escura! Num de seus escritos, ele nos assegurava que: “Esses pobres têm todos os motivos humanos para rebelar-se contra o Deus vida-amor-libertação. Sua esperança, essa sim, ‘contra toda esperança’”. Que os historiadores contem esta história às gerações futuras.
Ao falar da noite escura, Pedro se baseava na poética e na mística de seu conterrâneo, São João da Cruz. Também como ele, Pedro entendia que nem sempre a espiritualidade, a contemplação, a meditação trazem a paz tão desejada. Ao contrário, o exercício espiritual, deve provocar em nós a NÃO-PAZ, que traduzido na linguagem de João da Cruz, era a sua “noite escura”. Ou seja, tendo como base a mística da libertação, somos provocados a ter em nós a indignação, frente a este contexto da morte orquestrada, que cerca a vida dos empobrecidos.
Parece contraditório, mas esta é também a experiência vivida pelo próprio Jesus, que não se calou mediante ao contexto de morte que rondava a vida dos empobrecidos da Palestina. A oração, a espiritualidade, a vivência da mística, tem por objetivo primeiro de colocar o cristão em sintonia com a realidade dos empobrecidos. Do contrário esta oração leva a alienação, ao calar e esconder-se dos problemas e dos conflitos que nos aflige. A oração verdadeira leva a ação, a transformação, ao enfrentamento. “Ora ET labora” (orar e trabalhar), já nos dizia o lema beneditino. Viver a contemplação na ação.
Para não me perder num clima de desesperança e angustia, diante deste clima de morte que nos assusta, rezei com a comunidade de Lucas, que nos trouxe este evangelho do dia de hoje. Jesus está ensinando numa sinagoga em dia de sábado. (Lc 13, 10). Se bem observarmos, Jesus quase não comparecia a uma sinagoga para rezar. Ele achava melhor rezar no meio do povo ou num lugar separado. Talvez para demonstrar também que, a oração era algo intrínseco a ação. Mas no texto da narrativa de Lucas, ELE está na sinagoga fazendo o enfrentamento com as autoridades religiosas, para dizer a elas que o sábado fora feito para a pessoa humana e não o contrário. Tanto que, para escândalo deles, Jesus cura uma mulher em pleno sábado, algo inadmissível para aqueles entendidos da Lei. Uma Lei que era legal, mas que não era lícita.
Fico imaginado Jesus passando por muitos dos templos que há entre nós. Cada qual com as suas lideranças religiosas e o seu jeito de vivenciar a fé. Fico me perguntando se ELE, frequentaria muitas das nossas celebrações, no formato que elas são realizadas hoje. Possivelmente, iria também ensinar a muitos dos nossos religiosos, escribas, doutores da lei e fariseus hodiernos de plantão. Fazendo-se presente ou não, afirmamos que ELE está ali. Já que, na nossa concepção, ele se faz presente, aproveitemos para fazer desta noite escura dos empobrecidos, uma oportunidade a mais para construir o novo diferente do que ai está. Que a nossa mística nos chacoalhe ao ponto de estarmos prontos para a ação, suplicando como Pedro: “Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta, que não nos deixa em PAZ! (Pedro Casaldáliga)