A oração dos pobres

Quinta feira da quarta semana do Advento. O Natal se aproxima. Já o avistamos na esquina de nossos pensamentos. O clima já é de festa e não poderia ser diferente, mesmo que lá fora ainda persistam os restos mortais de um povo que reluta em manter de pé as “velhas estruturas”. A novidade é que precisamos renascer para a vida nova, proposta por uma frágil e indefesa criança, que vem até nós da periferia do mundo. O Deus que é tudo em todos, resolveu apostar que a história seria diferente com a chegada de seu escolhido, graças ao ventre da Mãe que o gestou, pleno de amorosidade.

São Pedro amanheceu taciturno com o seu dia hoje. Nuvens escuras sobre o céu, prenunciando a água descendo do firmamento. O sol se escondeu timidamente por detrás delas e em pouco tempo, fomos agraciados com o milagre dos pingos da chuva, irrigando cada porção da terra. A semente da vida agradece, assim como o Araguaia que vai se tornando majestoso, depois de um logo período de esvaziamento. A vida se renova com as águas da chuva e o verde se impõe como moldura e vestimenta da Mãe Natureza, iniciando um novo ciclo. Assim como ela, também nós precisamos passar por um processo de retomada, em sintonia com o Projeto de Deus.

A liturgia destes dias nos encaminha no passo a passo, rumo à chegada do Menino-Deus. O clima é familiar e a Mãe continua ainda prestando os seus serviços e cuidados à sua prima Isabel. Em família, as conversas e o ritmo da vida vão se encaminhando com os preparativos para a chegada dos dois personagens ilustres: João Batista e Jesus. Duas mulheres certas no momento certo da história. Vidas que se colocam nas mãos de Deus, dispostas a que se realize, através delas, o sonho sonhado por Deus. Isabel, a anciã estéril, que gera a vida do precursor e Maria, a mulher do Sim sem retorno, a caminho de nossa salvação. Vidas pela vida! Vidas pelo Reino!

O texto que refletimos no dia de hoje é uma das páginas mais elucidativas de todo o Novo Testamento. Lucas, antes de narrar o caminho a ser percorrido por Jesus, trazendo-nos o processo de libertação na história, ele coloca na boca da Mãe a “oração dos pobres”. Uma oração que mostra toda a pedagogia de Jesus, ensinando-nos a fazer a história de todos os pobres que buscam um mundo mais justo e mais humano. Nesta oração está contido o projeto para uma ordem nova, qual seja a libertação que leva as pessoas à relação de partilha e fraternidade, substituindo as relações de exploração e dominação.

O cântico dos pobres nem sempre foi bem visto na nossa caminhada de Igreja, sobretudo por aqueles que ainda não descobriram o caminho que leva à vida sofrida dos pobres, na sua luta diária pela sobrevivência. Aqueles e aquelas que ainda se vestem com os “mantos sagrados” da indiferença, do preconceito, da “aporofobia” (aversão ao pobre), do privilégio de classe social de uma vida burguesa, não conseguem fazer a leitura desta oração dos pobres, encarnando em suas vidas o propósito das palavras revolucionárias de Maria: “Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias”.(Lc 1, 52-53). Deus tem um lado definido, o lado dos pobres.

Em seu cântico, Maria, não exalta a si mesma, mas fala de Deus e das maravilhas que realizou nela, no mundo e no seu povo pobre. O cântico de Maria (Magnificat) é o cântico dos pobres que reconhecem a vinda de Deus para libertá-los através de Jesus. Isto já estava previsto no sonho de Deus há muito tempo. Este cântico faz referência aos escritos do Antigo Testamento, especialmente em relação ao Cântico de Ana, pronunciado por ocasião do nascimento do filho Samuel. (1Sm 2,1-10) Cumprindo a sua promessa, Deus assume o lado dos pobres, e realiza uma transformação na história, invertendo a lógica da ordem social injusta: os ricos e poderosos são depostos e despojados, e os pobres e oprimidos são libertos e assumem a direção dessa nova história. Um cântico teológico porque revela a experiência mais profunda do rosto de Deus feita por Maria: um Deus pleno de amorosidade, misericórdia, ternura e compaixão que toma a iniciativa de estar ao lado dos pequenos e sofredores.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.