A ostentação não é vida

O sábado amanheceu sob uma chuvinha fina molhando a terra. Um belo frescor contrastando com os costumeiros dias quentes que predominam sobre o Araguaia. Nada como uma noite reparadora do sono, para nos proporcionar um amanhecer descansado. Aqueles dias enfumaçados ficaram para trás, felizmente. O respirar se tornou mais tranquilo. A vida fica bem melhor assim.

Comecei o meu dia praticando uma boa ação. Devolvi de volta ao ninho, um pequeno filhote de sabiá. Alias, este gesto me fez interromper a oração. Por uma boa causa, afinal. Isso depois de ver a mamãe sabiá, cantando desesperadamente o seu canto triste. Demorei em perceber o que estava acontecendo ali. Não fosse a minha cachorra, que avistasse o pequeno e, latindo efusivamente, mostrando-me que havia algo de errado ali, não teria devolvido o pequeno sabiá ao seu aconchegante ninho. Foi só o tempo de fazer este pequeno gesto, para a paz reinar novamente na família do pássaro, que agasalhou-se novamente sobre os dois filhotinhos que ali estavam.

A simplicidade da vida nem sempre chama a nossa atenção. Geralmente, são os grandes feitos que desperta em nós um olhar mais atento. Estamos perdendo a nossa capacidade de saber valorizar as pequenas coisas, os pequenos gestos da vida. Ao acostumarmos com o descartável, de uma vida consumista, deixamos de valorizar aquilo que brota espontaneamente da simplicidade. Isso nem chama a nossa atenção de tanto que estamos envolvidos com os projetos maiores e mais vistosos.

Nosso bispo Pedro, numa de suas tiradas costumeiras me disse certa vez: “A simplicidade é o pai e a mãe da humildade”. Fiquei ali comigo pensando e cheguei a conclusão de que ele tinha razão. Faz sentido esta sua fala, pois existem tantas coisas que se escondem atrás das coisas simples da vida, para as quais não damos muito valor. Foi desta forma que ele viveu a radicalidade de uma vida pobre. Não fazia questão de ter, possuir, ostentar. Muito ao contrário. A Tia Irene, ficava muito brava, mas ele tinha apenas três camisas: uma no corpo, uma no varal enxugando e a outra, pronta para ser usada mais tarde. Difícil imaginar, que um bispo assim vivesse, mas Pedro era assim.

Pedro, um ser diferente de todos os demais. De outra Galáxia, me disse um jornalista que viera entrevistá-lo. Ele não se trai nem no pensamento, completou. Pautou a sua vida numa forma muito simples de se viver. Isso nos incomodava por demais, pois ele era um modelo ao qual tentávamos acompanhar. Nem sempre conseguíamos. Entretanto, seguia a nossa frente, não dizendo o que deveríamos fazer, mas ia fazendo a seu jeito, dando um testemunho inequívoco de que o Evangelho exige a simplicidade que se expressa nos pequenos gestos.

Situação bem diferente do que vemos ocorrer por aí na nossa “Santa madre Igreja”. Uma ostentação desenfreada que assusta. Vestes, túnicas Roupas, uma indumentária litúrgica que contrasta, não somente com a vida dos pobres, mas também com aquilo que pediu Jesus. Vivemos na Era da Ostentação. Uma busca desenfreada pelo poder, pela riqueza, pela ostentação. Isso fez o nosso Papa Francisco chamar a nossa atenção afirmando: “a ambição do poder e do ter não conhece limites” (Evangelii Gaudium, nº. 56). Realidade esta muito presente na vida de alguns padres/religiosos mais jovens, que vêem o ser Igreja como as mais diversas formas de poder: busca pelo prestigio, influências sociais, status, manifestações nas redes sociais, perfis cheios de fotos selfie, exibição de corpos sarados, fotos de viagens luxuosas. Uma vida regada de aparências, mas de poucos conhecimentos e nenhuma vivência evangélica.
Uma igreja desvirtuada e bastante distante daquilo que viveu e pregou Jesus de Nazaré. Precisamos voltar às nossas origens cristãs, para embeber-nos do Espírito que orientou as primeiras comunidades cristãs. Uma igreja que passe necessariamente por aquilo que nos disse Jesus no final do evangelho de hoje: “Quem se eleva será humilhado e quem se humilha será elevado”. (Lc 14, 11). Viver na simplicidade. Como aquele homem, que está sepultado ali, na beira do rio, numa cova simples, mas que se tornou uma grande referência de vida, de místico, poeta e profeta da libertação, Pedro Casaldáliga. Pobre com os pobres na pobreza com Deus.