A outra margem da vida

Sábado da Terceira Semana do Tempo Comum. O ultimo final de semana do primeiro mês do ano. Fevereiro já se avista no horizonte das nossas expectativas. O Deus que nos criou nos impulsiona a caminhar em direção às nossas realizações. Somos seres caminhantes na busca incessante dos nossos sonhos e ideais de viver na intensidade da abundância a que fomos projetados pelo Criador. Deus tem um plano e propósitos para cada um de nós. Resta-nos encontrá-lo e fazer a experiência mais profunda desta sintonia com Ele. Deus se fazendo presença em nós em forma de mistério para quem confia, surpresa para quem espera, maravilha para quem crê e bênção para quem recebe.

Um sábado mais que especial para a nossa caminhada de Igreja. No dia de hoje fazemos a memória de um de seus mais ilustres membros desta Igreja: Santo Tomás de Aquino (1225-1274) Frade Dominicano, de uma mente memorável, deu uma enorme contribuição à Filosofia e também à teologia. Viveu no período medieval, onde a Escolástica era o pensamento predominante. Santo Tomás fez a junção da filosofia de Aristóteles com a fé cristã. Fé e razão com o intuito de explicar os elementos teológicos. Entretanto, a contribuição maior deste sábio homem foi no campo filosófico como um dos principais representantes da Escolástica, moldando tanto a filosofia como a teologia cristã.

Quando ainda nos meus estudos de filosofia (1979-1982), li e reli a “Summa theologiae” (Suma Teológica) de Santo Tomás de Aquino. A mais importante obra de Teologia já escrita. Fiquei encantado com o estilo de escrita deste autor, no formato de perguntas e respostas, sempre trazendo a tona conceitos e formulações teológicas, numa tentativa de explicar os mistérios de Deus. Uma obra tão complexa que, às vezes, pode levar o leitor desavisado a desistir de sua leitura, mas na medida em que vai adentrando este precioso mistério, olhos e mentes se abrem em dialogo fecundo com o autor. Desafio aos que ora me leem a fazer esta fascinante aventura. Garanto-lhes que não abalarão a sua fé.

Impossível ler a obra de Santo Tomás de Aquino e permanecer a mesma pessoa. Apesar de ilustre pensador, Tomás costumava dizer que a humildade era o primeiro degrau para se alcançar a sabedoria. Uma de suas frases marcou por demais o meu pensamento de jovem estudante de filosofia: “Dê-me, Senhor, agudeza para entender, capacidade para reter, método e faculdade para aprender, sutileza para interpretar, graça e abundância para falar, acerto ao começar, direção ao progredir e perfeição ao concluir”. Quisera eu que ao menos uma parte de nossos jovens padres lesse ao longo de seu processo formativo algumas das obras deste grande teólogo. Com certeza, os caminhos da Igreja seriam outros.

Caminhos que a gente é! Caminhos que a gente faz. Hoje, excepcionalmente o texto proposto pela liturgia nos provoca a ir mais além. O próprio Jesus nos convida a passar à outra margem: “Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: Vamos para a outra margem!” (Mc 4,35) No texto em seu contexto, Jesus convida os seus discípulos a atravessar para a terra dos pagãos. O submundo dos empobrecidos e marginalizados. Na travessia, eles se deparam com o mar agitado, simbolizando todas as nações pagãs que ameaçavam destruir a comunidade cristã, gerando medo e insegurança para os seguidores de Jesus. Mas Ele é o Senhor da história e dos povos. O medo dos discípulos é sinal da falta de fé: eles não conseguem ver que a ação de Jesus transforma as situações.

Somos também desafiados a ir para a outra margem em nossas vidas. Lá depararemos com aqueles que são os destinatários primeiros da ação de Jesus no meio de nós. Assim como os discípulos, também teremos medo, insegurança e incertezas. A travessia nem sempre é feita na calmaria. Mesmo assim, precisamos nos desinstalar. Passar à outra margem como sinal de saída da nossa zona de conforto, enfrentando os desafios que a vida nos reserva. Sair de nós mesmos e adentrar no horizonte de perspectiva do outro. A nossa segurança está em Deus e na pessoa de Jesus que conosco faz também esta travessia, segurando na nossa mão. Como o evangelista São João assim nos assegura: “Deus o mundo tanto amou, que lhe deu seu próprio Filho, para que todo o que nele crer, encontre vida eterna”. (Jo 3,16) Que a sabedoria de Santo Tomás de Aquino nos alcance nesta longa travessia à outra margem! Que o medo não nos impeça de alçar voos mais altos nesta travessia, “porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês, diz o Senhor, plano de fazê-los prosperar e não de lhes causar dano, planos de dar-lhes esperança e um futuro”. (Jer 29,11)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.