A ovelha perdida

Iniciei o meu dia de hoje bastante motivado. Uma boa nova veio até mim no dia de ontem, que me fez dormir em estado de graça. Notícia esta que qualquer filho ou filha de Deus gostaria de receber. Não é que um dos meus rabiscos foi escolhido para fazer parte do novo livro de Curso de Verão de 2021? Ali, vou prestar uma pequena homenagem, ao nosso eterno e querido bispo Pedro. Uma honra para este pobre mortal aqui, sendo escolhido para homenagear o grande poeta, místico e profeta de nosso tempo, Pedro Casaldáliga. Justamente ele que me chamava de “O responsável sem juízo”. Não me pergunte como ele conseguia fazer esta síntese.

Apesar da alegria que tomava conta de meu espírito, nesta manhã, não tive como disfarçar a tristeza que povoava o meu coração, frente ao atual momento que estamos vivendo. Tudo porque, vivemos numa sociedade extremamente contraditória. Contradições que se fazem presentes na vida das mulheres deste nosso país. Não sei se é do conhecimento de todos, mas, a cada 11 minutos, uma mulher é estuprada em nosso país. Quer dado mais catastrófico que este? Ser mulher é viver permanentemente na insegurança, visto que cada uma delas, pode vir a ser a próxima vítima desta estatística macabra.

Isto sem falar que na maioria dos casos, a mulher é culpada de ser estuprada. Baseado numa visão extremamente machista, arcaica, preconceituosa e patriarcal, o fato da mulher usar roupas provocantes, chama sobre si a possibilidade de ser vítima do estuprador, uma vez que se torna uma mulher atraente. Tal situação é a consequência de sermos uma sociedade que mantém nas suas entranhas, a concepção de um racismo/machismo estrutural, em que a mulher é considerada como objeto de desejo sexual dos machistas de plantão. Como se elas não fossem administradoras diretas de seus próprios corpos. De vestirem as roupas que quiserem, sem serem molestadas pelos olhares dos potenciais estupradores.

Neste misto de alegria, contentamento e angústia, rezei com a Comunidade Lucana. O texto do evangelho de hoje, é uma narrativa libertadora e que nos enche de entusiasmo, pois se trata do coração do evangelho de Lucas. Estou falando do capítulo 15, onde transparece o amor misericordioso e transbordante do Pai, como fundamento da atitude do Nazareno, diante da humanidade toda. Toda esta leveza, em contraposição a atitude daqueles homens carrancudos e mal humorados, os lideres religiosos da Palestina (fariseus e mestres da lei), que se achavam mais justos que as demais pessoas, cheios de méritos, mas escandalizados por causa da solidariedade de Jesus, frente àqueles pobres pecadores.

Num dado momento, o texto aborda a ovelha perdida. O que nos faz recordar de Mateus 10, 6, quando Jesus afirma que ELE viera para buscar as ovelhas perdidas da casa de Israel. Texto carregado de uma simbologia rural, em que sobressai o contexto pastoril, mediante o qual, ficamos nos perguntando: quem são na verdade estas tais ovelhas perdidas? Como lidar com elas, no contexto em que estamos vivendo? Como viver esta narrativa do evangelho no contexto atual, lembrando que devemos ir atrás das “ovelhas” que se encontram perdidas? Como atualizar para os nossos tempos aquele tempo de Jesus, como forma de dar respostas aos nossos desafios de hoje?

Não há como me esquecer do nosso bispo Pedro nestas horas. Atualizar a mensagem evangélica era com ele mesmo. Ou seja, traduzindo para o contexto atual em que vivia, Pedro tinha muito claro para si, quem eram afinal estas ovelhas, para as quais ele sabia dar a sua vida por elas. Foi assim o tempo todo, em que passou entre nós. Uma destas ovelhas, as quais ele se doou, foi para defender a causa das mulheres. A nossa Irmã Irene, que passou mais de 30 anos de sua vida, a seu lado, que o diga. Mesmo com a sua consciência libertária e progressista, frente ao papel da mulher na Igreja, volta e meia, a tia Irene ainda puxava a sua orelha, quanto a algum deslize seu. Mesmo nestas ocasiões, Pedro tinha a humildade suficiente para reconhecer o equivoco e fazer a correção de rota.

Terminei a minha conversa com Deus me perguntando: será que o juiz, promotor, advogado, empresário que se envolveram no caso do “Estupro Culposo” da moça de Santa Catarina, Mariana Ferrer, teriam tido a mesma atitude no julgamento, caso tivesse acontecido o mesmo com uma de suas filhas? Tenho minhas dúvidas! Pau que bate em Chico, nem sempre bate em Francisco. É assim a nossa “Justissa” brasileira. Quem paga, faz a “Justissa” acontecer!