Quinta feira da 29ª semana do tempo comum. Um dia que já amanheceu quente. O astro-rei mandou avisar, que hoje será pelo menos uns três sois para cada um. É a primavera com as novas folhagens e flores, mas também dando o ar da graça do forte calor. Nada de anormal pelas bandas do Araguaia. Diferente seria se a temperatura amena dos dias anteriores permanecesse por mais tempo. Não me assusta mais este forte calor, adaptado que estou ao meu Araguaia querido. É aqui que sei ser feliz e como sou! Que me perdoe o “Velho Chico”, mas o Araguaia habita no meu coração.
Meu amanhecer aconteceu na presença do poeta e profeta do “Vale dos Esquecidos”, como ficou conhecida esta região aqui do baixo Araguaia. Rezei o meu mantra com ele, degustando o perfume das flores e sendo embalado pelo barulho calmo das águas do Araguaia. No horizonte mais além, o sol vinha timidamente trazendo o dia pela mão, descortinando a penumbra de mais uma noite que cumprira a sua missão. Um cenário paradisíaco, mesmo que para o mais comum dos mortais, é apenas mais um dia que vem vindo. Não para os mais antenados ao Criador, que veem nesta perspectiva a aposta de um Deus que ainda acredita na humanidade, apostando que esta possa fazer diferente do que fora o dia anterior.
Pedro foi e sempre será a nossa referência maior de alguém que soube se colocar na perspectiva do Reino. Fez das suas causas uma busca incessante no seguimento da Testemunha fiel. Acreditou e deu a sua vida pelas mesmas causas de Jesus. Seu legado ainda está vivo e permanece como fonte de inspiração para a nossa caminhada de Igreja, do qual podemos e devemos beber e embevecer, se quisermos ser fieis aos anseios de Deus. Nada poderá desviar-nos deste foco: perseguição, angústia, perigo, espada, tristeza, aflição, morte e tribulação.
Pedro, o exemplo de dedicação ao Evangelho a ser seguido. Rezar com ele em seu leito de morte, enche o espírito de confiança, para continuar lutando e acreditando de que a vida triunfará sobre a morte. Por mais difícil que possa ser a nossa jornada e está sendo, sempre se pode enxergar o horizonte que se avizinha, como o sol que desbrava as sombras da escuridão da noite, se fazendo dia. Deus é o Senhor da História e nós somos coadjuvantes indispensáveis, no processo de construção de outra realidade possível, onde reina a justiça, a paz e a fraternidade do Reino.
Tudo ali transcorria em meu pensamento em forma de oração, fazendo-me divagar sobre muitas outras experiências de vida, compartilhadas com aquele homem tão singular, mas de uma profundidade indescritível. Enquanto divagava assim em meus pensamentos, neste interim, veio-me a lembrança do frei carmelita Carlos Mesters, que nesta semana está completando 90 anos de vida (20 de outubro de 1931). Pedro era um admirador confesso deste grande homem de Deus, que muito nos ensinou na leitura popular da Bíblia. Dia destes, escarafunchando o Arquivo da Prelazia, deparei-me com um dos poemas de Pedro sobre o amigo holandês: “Doutor em Simplicidade. Diplomado em Alegria. Descompassada Presença. Carmelita de hábito pardo pelas poeiras do sertão e dos bairros”. O holandês mais brasileiro de todos. Eu diria, o mais nordestino deles.
Carlos é um dos ícones valiosos do Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), que muito nos ajudou nas nossas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Ele foi um dos expoentes que nos ajudou a fazer uma exegese, cuja hermenêutica, se baseia no método histórico crítico. Um olhar sobre a Bíblia e outro sobre a realidade, com os pés fincados ao chão, levando-nos ao engajamento com os pobres e oprimidos, numa dimensão da práxis, provocando a transformação da vida no sentido da libertação. Um de seus livros muito me ajudou na minha caminhada exegético-teológica, fazendo-me compreender um pouco mais da criação e a nossa relação com o Criador: “Paraíso Terrestre: saudade ou esperança”.
Com toda a sua simplicidade, Carlos Mesters nos fez entender que a Bíblia não se trata de uma escrita mágica acerca da história do povo de Deus ao longo dos tempos. Ela relata a caminhada de um povo que trafegou pela história, errando e acertando nas pegadas do Criador. Acessar esta palavra significa que estamos entrando em sintonia com um universo de relatos que expressam, de um lado, a fidelidade permanente de Deus, quanto à sua promessa, e a fragilidade humana em si fazer caminhante nesta mesma perspectiva proposta pelo Senhor da História. Assim, Deus vai se fazendo presente na história humana, arquitetando o seu Projeto Salvífico, cuja culminância se dá na chegada de seu Filho entre nós, se fazendo, inclusive, Um conosco: “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós.” (Jo 1,14)
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.