Terça feira depois da Epifania. Ainda trazemos em nós o gostinho do Natal. O clima ainda é o da Natividade do Menino-Deus. Devagar, vamos adentrando a realidade que se prenuncia à nossa frente. Até o dia 6 de janeiro, aquelas famílias que tem o costume de montar os seus presépios, os desfazem, para voltar no final do ano novamente. Estes tempos fazem-me recordar da minha infância, quando rezávamos, em família, ali em volta do presépio, que a nossa mãe religiosamente montava. Podiam faltar outras coisas, menos o presépio.
Como Igreja, liturgicamente estamos no período pós-Epifania. Lembrando que a palavra liturgia quer ser a ação do povo de Deus em comunidade, estabelecendo assim a comunhão. Originariamente a palavra “liturgia” advém de duas outras palavras gregas: “Leito” que quer dizer público; e “Urgos”, se referindo aquele que desenvolve um trabalho público. Tudo isso se referindo a função celebrativa no meio do povo de Deus. Desta forma, a liturgia se desdobra em vários ritos e cerimônias, sendo que o ápice dela é a celebração do memorial do Mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus de Nazaré, que se faz o Cristo Ressuscitado. Todavia, O termo liturgia passou a fazer parte da igreja católica somente por volta do século XVI.
Assim, a liturgia proposta para o dia de hoje nos remete ao contexto do Jesus histórico diante de uma multidão faminta. Como não podia deixar de ser, Ele sente compaixão por aquela gente faminta: “Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. (Mt 6,34) Um povo faminto e abandonado pelos poderes públicos e religiosos da época. Diante do contexto é necessário que uma atitude seja tomada como resposta aquela realidade. Não basta ter compaixão. Ela precisa ser acompanhada de uma ação concreta. Compaixão sem ação é mero sentimento de “pena”.
Jesus que faz uso da mesma pedagogia do “Bom Samaritano”: “Viu”, “sentiu” compaixão e “cuidou” dele! A atitude primeira é a de enxergar a realidade à sua volta. A segunda é a de sentir aquela realidade, trazendo-a para si mesmo. E a terceira é a do cuidado, ou seja, fazer algo que seja significativo como enfrentamento daquela realidade. Na verdade, são três atitudes intrínsecas e comprometedoras que se complementam e que faz parte do Projeto Messiânico de Jesus: anunciar a Boa Nova, ensinar e libertar de todas as formas de entraves e exploração. Evidentemente que um povo faminto, com o estomago roncando, não tem motivação alguma para ouvir a Palavra.
Jesus que exerce o dom de compartilhar o alimento necessário contra a fome daquele povo. Compartilhar em forma de partilha, distribuição, divisão, repartição, repartimento. Atitude que os seus seguidores mais próximos de Jesus demoraram para entender, pois estavam mais preocupados com os recursos necessários para dar de comer a tanta gente. Aqui entra a ideia da partilha como um dom. Alguns dos nossos, nunca irão ter em si este dom, acostumados que estão em acumular mais e mais. Tem razão o Papa Francisco quando se pronunciou no IV Encontro Mundial dos Movimentos Populares: “É hora de frear a locomotiva descontrolada da ganância humana.”
Em meio a uma sociedade tão desigual como a nossa, podemos considerar o exercício da partilha como um dom que nos vem de Deus. Uma graça, uma dádiva que d’Ele recebemos. Saber compartir daquilo que temos e somos. Um dom que recebemos e que devemos colocar a serviço, como nos exorta o texto de Mateus: “De graça recebestes, de graça deveis dar!” (Mt 10,8) Nisto se resume o seguimento de Jesus, cuja missão se desenvolve em clima de gratuidade, pobreza e confiança, e comunica o bem fundamental da paz, isto é, da plena realização de todas as dimensões da vida humana. Aqueles e aquelas que com Ele caminham, são os portadores da libertação, inclusive da fome.
Enquanto Jesus está preocupado em sanar a fome da multidão, os Herodes de ontem e de hoje, celebram o banquete da morte com os poderosos. Ao contrário, Jesus celebra o banquete da vida com o povo simples. Da mesma forma como sempre fizemos nas celebrações das nossas comunidades Eclesiais de Base (CEBs), com cada um dos participantes, trazendo do pouquinho que possui, colocando na mesa da partilha. Todos comem e ainda sobra. Enquanto milhares de pessoas estão com suas casas alagadas pelas águas das chuvas, aqueles desprovidos do dom do compartilhamento preferem passar suas férias nos lugares paradisíacos. Como diz um amigo brincalhão: “qualquer coincidência, é mera semelhança”. Que possamos fazer de nossa vida aquilo que nos fora dito pelo filosofo francês Voltaire (1694-1778): “Deus concedeu-nos o dom de viver; compete-nos a nós viver bem,” preservando em nós o dom maior da partilha no banquete da vida, diria eu.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.