A Páscoa de uns e de outros

Quarta feira a Oitava da Páscoa. O clima ainda é de apreensão, mas também de profunda esperança. Esperança do verbo fazer acontecer. Um misto de decepção e alegria toma conta dos seguidores do Mestre. Nem tudo está perdido. Aliás, nada está perdido. Deus assume os rumos da história e nos faz protagonistas de sua construção na feitura do Reino. Não é hora de abaixar a cabeça, mas de projetar o futuro com as armas da luta com os irmãos da caminhada. A morte traz a tristeza, mas a Ressurreição se faz vida nova na pessoa do Filho que assume em nós um novo existir.

Com a Ressurreição de Jesus, passamos a fazer parte como protagonistas na construção da nova história. Deus nos empodera para esta missão, na medida em que fazemos a adesão ao Projeto de Deus revelado na pessoa de Jesus de Nazaré. A esperança se faz o estandarte de nossa caminhada. Assim, vamos fazendo as nossas escolhas que venham de encontro com a perspectiva da dinâmica do Reino que já está entre nós. Cada escolha que fazemos tem as suas consequências e implicâncias. Não podemos transferir para Deus aquilo que é de nossa competência e responsabilidade assumir. Responsabilidade que é nossa, como nos dizia o escritor italiano Humberto Eco (1932-2016): “Justificar tragédias como vontade divina tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas”.

Páscoa é vida nova na pessoa do Ressuscitado de Nazaré. Páscoa esta nem sempre compreendida na sua dimensão maior de profundidade. Páscoa de uns, tendo o Cristo Ressuscitado como elemento fundante da fé cristã; e “páscoa” de outros, com “p” minúsculo, pois não abstraíram todo o processo que levou o Filho de Deus a ser assassinado pelas forças opressivas dos aparatos de segurança nacional do estado da época. Opressão que ainda pesa sobre a vida dos empobrecidos de hoje, perseguidos, torturados, crucificando-os de morte. “Garanto que não estragou a Páscoa de ninguém”. Não estragou mesmo, pois estes outros, não entenderam nada sobre a Páscoa, muito menos do por que do Jesus histórico foi parar numa cruz.

Páscoa é mentalidade nova. E mudança de vida. É conversão. É transformação. É vida que se faz na caminhada com os irmãos. É fazer da vida um caminho constante na procura do Reino. É se fazer utopia revolucionária, tendo a esperança como a bandeira de luta na caminhada. A bandeira vermelha do sangue dos/as mártires da caminhada que tombaram na luta, sonhando o sonho de Deus, esperançando com o Ressuscitado. Como a liturgia desta quarta feira nos convida a refletir (Lc 24,13-35). De acabrunhados e desesperançados, os “discípulos de Emaús” se revestem de uma força extraordinária e se põe novamente na caminhada, ao sentirem a presença d’Ele insuflando os seus corações.

Páscoa é processo. É caminhada. É vida sem medo de ser feliz. É vida trilhada e compartilhada. É voltar atrás se preciso for. É sair de nós mesmos e dos medos interiores e revestir-nos da presença amorosa de Deus, que se dá a nós na pessoa do Filho, e sermos suas testemunhas pascais. É agir com amor e por amor, na busca de um mundo onde todos e todas possam viver com dignidade de filhos e filhas de Deus e irmãos entre todos. As primeiras comunidade cristas entenderam e vivenciaram este kérigma, tornando-se testemunhas pascais do Ressuscitado, vivendo entre eles a experiência mais profunda do amor sem medida, no chão de suas vidas. Os Atos dos Apóstolos nos traz um retrato fiel destas primeiras comunidades: “Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Diariamente, todos juntos frequentavam o Templo e nas casas partiam o pão, tomando alimento com alegria e simplicidade de coração”. (At 2, 44-46)

Comunidade que se faz na caminhada e não como algo estático, presas as estruturas burocráticas sacramentais de um templo. Não estavam preocupadas com a “salvação das almas”, mas das vidas sofridas das pessoas. Quem está preocupado em “salvar almas” corre o risco de não querer colocar as suas vidas como instrumento de transformação da realidade social injusta. Nosso bispo Pedro era enfático quanto a questões como estas. Ao ser perguntado, por alguém que o entrevistava, o porquê dele não se “preocupar” com a alma das pessoas, ele assim respondeu: “talvez porque eu não tenha visto nenhuma delas passando aqui pela porta de casa”. Com a sua Páscoa, Jesus continua vivo e atuante, presente na caminhada com os seus seguidores, solidarizando-se com seus problemas e participando de suas lutas. Os discípulos reconheceram Jesus quando da partilha do pão, onde o pão repartido relembra o dom da sua vida e sedimentando a partilha e a fraternidade, que estão no cerne do seu projeto. Que sejamos instrumentos desta partilha e façamos das nossas vidas testemunhas e ferramentas pascais no caminho rumo à vida.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.