A paz inquietante na quietude

Terça feira da Quinta Semana da Páscoa. Caminhamos com Jesus pelas estradas do mundo, trazendo em nós o espírito do Ressuscitado. É na Ressurreição do Filho amado do Pai que encontramos forças para seguir esperançando e espalhando mais amor pelo mundo. No amor incondicional de Deus pelo Filho, experimentamos também em nós toda a amorosidade do Deus que nos criou para a vida plena. Somos seres de gratuidade, agradecendo a Deus cada dia vivido, como obra e graça sua. A vida é Dom. A arte de viver é transformar a vida em doação.

Fui acordado nesta manhã pela serenata feita pelas dezenas de araras azuis que povoaram livremente o meu quintal. Fizeram escala aqui, antes de chegarem à Ilha do Bananal. Num falatório sem fim, degustando os últimos frutos do buritizeiro. Aproveitei para agradecer a Deus pelo Dom da vida e pelo privilégio de estar aqui neste lugar e ser “incomodado” por seres tão belos na sua plumagem colorida. Louvamos juntos a Deus, ajudados pelos versos do salmista: “Quão grandes são, ó Senhor, as tuas obras! quão profundos são os teus pensamentos!” (Sl 92,5 – tradução de João Ferreira de Almeida)

O Prefácio da Liturgia Eucarística dos Domingos Comuns nos trazem uma fala significativa extraída dos Atos dos Apóstolos que nos faz pensar: “porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração”. (At 17,28) Somos da geração de Jesus. Fazemos parte da família de Deus, na irmandade que constituímos entre nós. O Deus vivo e verdadeiro se manifestou na pessoa do Filho. Para sermos da “raça” do Deus verdadeiro devemos confrontar-nos com Jesus de Nazaré, reconhecendo n’Ele o Deus verdadeiro, nos tornando também pessoas verdadeiras.

Liturgia esta que nos põe em contato de sintonia fina mais uma vez com o Evangelho Joanino. O evangelista João nos ajuda a situar-nos e a caminhar pelos caminhos de Jesus. Desde o seu Prólogo, ele nos faz pensar na presença do Filho presente no meio de nós: “No começo a Palavra (Verbo) já existia: a Palavra estava voltada para Deus, e a Palavra era Deus. No começo ela estava voltada para Deus. Tudo foi feito por meio dela”. (Jo 1,1-3) Texto de uma profunda reflexão teológica, fazendo menção a introdução do Livro do Gênesis. Ou seja, no começo, antes da Criação, o Filho de Deus já existia em Deus, voltado para o Pai: estava em Deus, como a Expressão de Deus, eterna e invisível. (cf 1,1-31; 2,1-4a)

João faz uso de uma terminologia própria e especifica do pensamento grego. Se para os filósofos gregos como Heráclito, por exemplo, que afirmava que o logos era um conjunto harmônico de leis que comandam o universo, formando uma inteligência cósmica onipresente que se plenificava no pensamento humano, João toma emprestado este logos para dizer que quem estava no comando de tudo era Deus que, com a sua Palavra (Verbo), fez “Cristificar o Universo”. O Verbo se fez realidade corpórea na pessoa do Filho encarnado, trazendo para dentro do mundo o sonho de plenitude de Deus em pessoa.

Uma cristologia típica do pensamento de Teilhard Chardin (1881-1955). O Papa Francisco retoma esta narrativa cristológica em sua Encíclica Laudato si: “A meta do caminho do universo situa-se na plenitude de Deus por Cristo ressuscitado, fulcro da maturação universal” (83). Universo que está grávido da presença de Deus na pessoa do Filho Ressuscitado que caminha com os seus, renovando a esperança e trazendo lhes a paz tão desejada. Paz inquietante na quietude dos espíritos revoltos. Jesus que não deseja simplesmente a paz aos seus, mas dá-se a si mesmo como paz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo”. (Jo 14,27)

Não é de qualquer paz que Jesus está falando, mas a Paz que Ele dá, é a si mesmo. Ciente de que está a caminho de sua morte, Ele não deixa que as forças da desesperança e da desilusão tomem conta de seu coração. Ele anuncia a paz como plena realização humana. Todavia, esta paz somente será possível àqueles que se deixam tocar pelo espírito do Ressuscitado que traz em si o Deus que faz novas todas as coisas. Jesus, que ao partir do meio dos seus, não os deixam órfãos, abandonados, mas manterá sempre viva a sua presença no meio deles: “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Vou, mas voltarei a vós” (Jo 27-28) Enfim, finalizando com o pensamento filosófico de Platão sobre a paz na quietude dizia ele: “A paz do coração é o paraíso dos homens”. Que tenhamos a paz inquietante de Jesus na quietude de nosso coração!

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias