A pedagogia do caminho

Domingo da Epifania do Senhor. Estamos já galgando o tempo cronológico dos homens (cronos), que é este tempo físico que se estabelece por meio das horas, dos minutos, dos dias. Em meio ao “cronos” humano, vivemos hoje o primeiro dos 52 domingos que teremos pela frente. Neste primeiro domingo, não estamos mais na Oitava do Natal, mas no tempo litúrgico da Epifania do Senhor. Palavra de origem grega “epipháneia”, cujo significado quer dizer “aparição”, “manifestação” de um Deus que veio fazer morada entre os seus, se fazendo um Deus humano.

Festa da Epifania de Deus. Uma festa singular para a Igreja Católica, pois na epifania ou teofania, celebramos a manifestação de Jesus de Nazaré, como o Deus encarnado na realidade humana. No “cronos” de nossa história humana, Deus estabelece o “Kairós” que é também uma palavra de origem grega, que significa “momento certo” ou “momento oportuno”, para a manifestação de Deus, oportunizando aos humanos fazerem a experiência mais profunda da relação com o Deus da vida que veio até nós na pessoa de Jesus, o Messias, Verbo encarnado.

Um Messias de há muito anunciado veio fazer história na nossa história, obedecendo ao tempo de Deus. Toda a espiritualidade bíblica é praticamente marcada por este “tempo” de Deus (kairós). Uma espiritualidade que é boa notícia com respeito ao modo de “estar no tempo”, introduzindo-nos na dinâmica da vida que se abre na perspectiva da chegada do Messias entre nós. Bem fizeram os magos do oriente que souberam fazer deste momento oportuno, a oportunidade de acolher Aquele que veio em nome de Deus, desde todo sempre anunciado.

Encontraram o Deus Menino no caminho. Permitiram que acontecesse em suas vidas a pedagogia do caminho. Caminho de encontro. Foi através deste caminho traçado que fizeram a experiência mais profunda do encontro com a pessoa do Messias. Entenderam rapidamente que não bastava saber quem era aquele menino, mas antes se colocaram na dinâmica de seguir os sinais da história, que direcionam e nos encaminham para reconhecê-lo e aceitá-lo. Ali perceberam a manifestação plena de Deus, através de uma criança nascida daquele pobre casal de Nazaré. Deus na sua infinitude transcendente, se fazendo presente em meio aos simples, sendo acolhido por gente que não gozavam de boa fama.

Os magos fizeram o êxodo, saindo de si mesmos e indo de encontro ao Messias. Deixaram de lado o comodismo e traçaram o caminho do encontro pessoal com Ele. Uma jornada nada fácil de ser cumprida. Enfrentaram muitos desafios neste itinerário que traçaram. Barreiras geográficas, intempéries, dúvidas e incertezas, mas suplantaram todas elas, pois o objetivo traçado era estar com Ele. É exatamente este processo que a Igreja nos propõe a fazer ao celebrar a Festa da Epifania. Também nós somos desafiados a fazer este caminho de encontro com o Deus que se revela na pessoa de Jesus. E o mais inusitado é saber que tal encontro não se esgota em si mesmo, mas nos remete a desafios ainda maiores, de ser presença deste Deus menino nas relações que vamos construindo no caminho.
“Nós com Deus. Deus com nós. E nós com nós mesmos”, me disse certa feita a dona Maria, uma das lideranças da comunidade Nossa Senhora Aparecida, na favela do Jardim Oratório, onde morei em Mauá/SP. A vida cristã se faz no caminho. Caminhantes como o povo hebreu rumo à Terra Prometida. Caminhantes na história, no encontro pessoal com Deus na pessoa dos irmãos e irmãs que fazemos juntos esta caminhada. Um caminhar pedagógico que vamos selando na história o “Kairós” e o “cronos”, que são antagônicos no sentido de um significar o “tempo de Deus” (kairós) e o outro o “tempo dos humanos” (cronos).

A Liturgia da Festa da Epifania tem como tema central a luz. Caminhamos em direção ao ano de 2022, reforçando a esperança nos nossos atos. Façamos assim a caminhada em direção ao novo horizonte que se descortina à nossa frente. Talvez fazendo primeiro um caminho pedagógico rumo ao nosso ser interior, ultrapassando todas as barreiras que tentam fazer de nós, seres acomodados, em nossa zona de conforto. Depois disso, tenhamos em nós o firme propósito de caminhar em direção ao Projeto de Deus revelado na pessoa de Jesus. Iluminados pela estrela maior, façamos o itinerário na construção de outro mundo possível, onde não haja fome, miséria, desemprego, gente dormindo nas ruas, desigualdades sociais de toda espécie… Um mundo em que reine a luz do Messias, Verbo de Deus encarnado nos caminhos pedagógicos da história. Somos seres em “travessia”, no tempo e no espaço. Que neste nosso caminhar pedagógico para Deus, sejamos guiados pela estrela maior, e assim não fazermos o encontro com os Herodes de hoje: “Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho”. (Mt 2,12)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.