Segunda feira da primeira semana do tempo comum. Ontem, com a Festa do Batismo do Senhor, fechamos o ciclo natalino pós Epifania e vamos percorrer agora este outro período litúrgico do tempo comum. E começamos muito bem, pois no dia de hoje vamos ver Jesus iniciando a sua vida pública, atuando na Galileia no meio dos empobrecidos, devolvendo-lhes a esperança de um novo viver. Jesus que vem realizar o tempo de Deus, na esperança do Verbo se fazendo carne na nossa carne, sangue no nosso sangue. O tempo de Deus é no aqui e agora de nossa história.
As chuvas continuam dominando aqui pelas bandas do Araguaia. Estamos no período chuvoso, que aqui os mais velhos denominam de inverno. O rio está transbordante. Lindo e maravilhoso! Significa que teremos muitos peixes neste ano. Esta é a dinâmica peculiar do Araguaia que, ao transbordar e sair do seu leito normal, vai aos lagos, buscando de volta, os peixes que havia deixado ali, no ano anterior, após a piracema. Um nome bonito para definir o processo desencadeado pelos peixes, que enfrentam a correnteza rio acima, para desovarem nas regiões mais rasas.
Os dias chuvosos nos deixam mais melancólicos. Mas também muito tristes, pois elas também nos trazem dissabores, sobretudo para aquelas famílias mais vulneráveis que tudo perderam com o excesso delas em algumas regiões de nosso país. É muito triste saber que os mais pobres, continuam pagando com a própria vida, o descaso dos nossos governantes, com a ausência das políticas públicas, a serviço das causas dos pequenos. Precisamos reverter este quadro urgentemente antes que o nosso futuro esteja completamente comprometido, como nos alerta Samuel Lima: “Ontem já foi um amanhã, então não deixe para amanhã o que se pode fazer hoje, afinal de contas hoje já foi um ‘amanhã’”.
Meu coração está apertado nestes dias. Este ano se completam 30 anos da minha presença aqui pela Prelazia de São Félix do Araguaia. Com apenas três anos de ordenação sacerdotal, aceitei o convite do bispo Pedro, para vir trabalhar na Igreja dos nossos sonhos. Me sentia um privilegio por estar junto daquele que era a nossa referência de bispo, engajado na caminhada das Comunidades de Base (CEBs), como um dos ícones da Teologia da Libertação. Naquele ano de 1992, estava eu participando do Curso de Verão do CESEEP, em São Paulo, mas o meu coração já pulsava no compasso do coração de Pedro, com quem me encontraria em sua casa alguns dias depois, em São Félix do Araguaia.
Muito aprendizado de lá até aqui, sobretudo com a convivência e o trabalho junto aos povos indígenas. Mais aprendo que ensino. A minha vida nunca mais foi a mesma, desde o meu primeiro pisar no chão sagrado de uma aldeia indígena. Amor a primeira vista! Influenciado por Pedro, fiz da causa indígena a minha causa maior. Pedro me fez entender com o coração que a causa indígena é a causa de todos nós, sobretudo em razão desta frase: “no Brasil, todos trazemos em nós o sangue indígena. Alguns nas veias, outros na alma e alguns ainda em suas mãos ensanguentadas. Trinta anos de estrada é um bocado de tempo! Agora, com a responsabilidade maior de trazer vivo entre nós o legado do místico, poeta, profeta Pedro Casaldáliga, sepultado aqui do lado da minha casa.
A Igreja de Pedro me chamou e aqui estou como agente de pastoral a serviço dos povos indígenas. A rica liturgia de hoje também nos traz a pedagogia do chamado de Jesus. Ele que chama as pessoas para fazerem parte de seu discipulado. Pessoas simples do meio do povo para dar continuidade à sua missão de ser um com Ele pelo Reino. Reino que está próximo e acontece todas as vezes que as nossas ações são realizadas, prefigurando assim o sonho de Deus. “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos, e crede no Evangelho!” (Mc 1,15) Crer para viver! Viver para se converter a cada instante. Mais direto impossível! Uma pedagogia do chamado que incomoda e desinstala, pois a resposta deve ser dada a cada dia de nossas vidas. E a resposta do dia anterior já não serve mais para o dia de hoje.
Engana-se quem pensa que o chamado é feito apenas àqueles que estão mais diretos ligados à Igreja hierarquia: padres, bispos, religiosos e religiosas. O chamado é feito a todos nós indistintamente. Jesus não chama apenas aquece pequeno grupo, mas estende o chamado a cada um e cada uma no seu contexto vital. Apesar do clericalismo exacerbado, do patriarcado machista e do carreirismo, a Igreja se faz uma célula viva com a comunidade dos crentes que com ela caminha. Neste sentido, gostei da reflexão feita pelo jesuíta italiano, padre Paolo Gamberini quando afirma: “na igreja o ‘chamado ao ministério ordenado’ vem da comunidade eclesial e não de Deus. A vocação não consiste de forma alguma em um convite do Espírito Santo para abraçar o ministério, mas no apelo que a Igreja dirige ao cristão/a sobre quem fez discernimento de suas aptidões”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.