A plenitude da vida

Uma canção popular, bastante conhecida, pergunta: “E a vida… E a vida o que é?” Ao longo da canção, várias respostas vão surgindo, segundo a experiência de cada pessoa, na realidade concreta em que se encontra: de sofrimento, de prazer, de fé, de sonhos…

Essa provocação do compositor, na pergunta e nas respostas, aponta o que passa pelo coração e pela mente do ser humano, quando se depara com o mistério insondável da vida e da morte; é o retrato de quem se fixa na finitude do presente, com o olhar num passado inexistente e num futuro enigmático, buscando alicerçar os passos num universo de incertezas.

O mês de novembro, que se inicia com a memória dos fiéis defuntos (finados), nos insere diante da vulnerabilidade da vida terrena e ao cristão, mais do que respostas sobre “o que é a vida?”, é pedido que avalie o sentido que tem dado à vida, o cuidado para com ela e onde tem posto as suas esperanças.

A Palavra de Deus situa a existência humana num pequeno momento, “uma vigília da noite” (Sl 90,4), “como a erva que cresce de madrugada, floresce ao meio-dia e seca ao entardecer” (Sl 90,6; Jó 14,2) e mesmo que o homem e a mulher vivessem mil anos, ainda seria pouco diante da eternidade de Deus (Sl 90,4; 2Pd 3,8).

Estas e outras expressões bíblicas, que tratam da brevidade existencial, não têm o objetivo de inculcar o fatalismo ou o pessimismo, mas o de conscientizar os filhos de Deus sobre quem eles são realmente e responsabilizá-los pela criação e pela vida em sua complexidade.

Em Gênesis, Deus, ao criar todas as coisas, viu que tudo era bom e ao final, deleitou-se com a maravilha que tinha feito: o homem e a mulher (1,3) e com o sopro divino imortalizou-os (2,7). Esta afirmação mostra-nos a imensa dignidade de cada pessoa humana “capaz de conhecer-se, de possuir-se e de livremente se dar em comunhão com outras pessoas” (CIC 357).

A este ser vivente, o Senhor confiou a criação, como dom a ser cultivado e protegido, de fazê-la crescer e se desenvolver no respeito e na harmonia, segundo o desígnio divino (Gn 2,15). Essa parceria, Criador e criatura, “dá a certeza de que a vida de cada pessoa não se perde num caos desesperador, num mundo regido pelo puro acaso ou por ciclos que se repetem sem sentido” (LS 65).

Entretanto, é em Jesus Cristo, “mediador e plenitude de toda a Revelação” (DV 2), que a existência humana recebe sua totalidade ou a “compreende”. Ao se fazer carne, o Verbo divino elevou a nossa condição mortal, morrendo na cruz venceu o pecado e a morte (1Cor 15,55) e ressuscitando nos introduziu no paraíso outrora perdido, realidade que “os olhos jamais viram, os ouvidos jamais ouviram e o coração humano é incapaz de imaginar” (1Cor 2,9).

Esta acepção positiva da morte cristã encontra o seu fundamento no batismo, onde sacramentalmente já morremos e ressuscitamos (Rm 6,4-5). Viver esta novidade, como membros do Corpo Místico de Cristo, implica renovar a fé e a esperança na “liturgia terrena da Igreja, onde já saboreamos a liturgia celeste” (SC 8) e, na prática da caridade, no compromisso com a vida, sobretudo, onde ela se encontra ameaçada (1Cor 12, 25). Assim, a Igreja celebra o mistério do seu Senhor até que ele venha e até que Deus seja tudo em todos (1Cor 11,26; 15,28). 

Dessa forma, concluímos que a morte não é o fim da vida, mas sua plenitude, quando esta é vivida com sentido. Que a comemoração de finados nos leve a rezar pelos que já partiram e a reassumir a vida como valor eterno.

† Dom Amilton Manoel da Silva, CP
Bispo Diocesano de Guarapuava-PR

Fonte: Diopuava