A presença feminina em nós

 

Quinta feira chuvosa no Baixo Araguaia. Tem sido assim neste mês de fevereiro. Chovendo acima da média, compensando o janeiro que não foi tão bom de chuva, como era de se esperar. Assim, iniciamos um dia tímido e triste ao mesmo tempo. O Brasil ultrapassou ontem a casa dos 250 mil mortos, vítimas da Covid-19. Enquanto isso, aquele que se diz presidente, segue com as suas aglomerações, sem o uso recomendado de máscaras, ainda negando a pandemia. Numa facilidade enorme em ignorar completamente tantos mortos entre nós e a dor daqueles que perderam os seus. Um ser desprovido de sentimento e empatia ao que acontece ao outro.

O dia de ontem foi bastante significativo para todas as mulheres brasileiras. No dia 24 de fevereiro de 1932, elas conquistaram o seu direito ao voto. Até então, seguindo os preceitos da “Casa Grande”, elas eram consideradas pessoas que serviam apenas para esquentar a barriga no fogão e esfriá-la no tanque. Mesmo elas representando um quantitativo de 53% do eleitorado brasileiro, eram impedidas de exercerem o direito cidadão ao voto. Segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2019, elas representam um percentual de 51,8% da população brasileira, mas mesmo assim, poucas delas participam dos cargos eletivos, sendo dominados expressivamente pelos outros 48,2% da população masculina.

Ser mulher no Brasil constitui-se num grande desafio. Elas são consideradas como seres inferiores. Basta ver, por exemplo, no mercado de trabalho. Mesmo desempenhando funções semelhantes as dos homens, elas recebem um salário bem inferior ao salário deles. Sem falar que para muitos de nós homens, as mulheres são tratadas apenas como um simples objeto de desejo/prazer. Tal situação é tão agravante que muitas destas mulheres incorporaram este estigma perverso, e se comportam como se assim o fosse de fato. Existem tão somente para satisfazer os caprichos dos machões de plantão.

Esta situação não difere muito daquilo que está presente hoje na realidade de nossa Igreja Católica. As mulheres, apesar ter uma participação expressiva na vida das comunidades, elas ainda não detém qualquer tipo de poder de decisão. Em pleno século XXI, nossa igreja é dominada por homens que sustentam bravamente as características do patriarcado, influenciados pelo clericalismo exacerbado. As mulheres fazem todo o trabalho subalterno, mas na hora de decidir, elas são alijadas do processo. Uma igreja basicamente masculinizada.

Bem que o Papa Francisco tem tentado quebrar parte deste paradigma, mas tem encontrado bastante resistência por parte daqueles que não aceitam mudanças nos rumos da Igreja. Estes últimos apelam para a tradição, se esquecendo que no nascedouro do cristianismo, elas tinham uma participação decisiva, sendo inclusive reconhecidas pelo próprio Jesus. Nunca é demais lembrar que ELE se deu a revelar o seu ser ressurreto, em absoluta primeira mão, a uma mulher. Talvez a mais pecadora delas, Maria Madalena. Ela que, bravamente, tomou dianteira, enquanto os homens estavam todos amedrontados, frente aquele contexto de morte do Mestre deles.

As mulheres faziam parte do discipulado de Jesus, muito embora, há poucos relatos desta participação significativa delas na vida do Jesus histórico. Foi através delas que tivemos a oportunidade de presenciar a revelação do rosto maternal de Deus. Neste sentido, o teólogo Leonardo Boff foi muito feliz, ao nos presentear com a obra “O rosto materno de Deus”, lançada pela Editora Vozes, no ano de 2012. Neste livro, ele traz para nós uma narrativa teológica sobre Maria, assumindo em si um Deus na forma feminina. O feminino em Maria sendo elevado ao nível da divindade. A “Comadre de Nazaré”, como gostava de dizer nosso bispo Pedro, fazendo uma experiência de intimidade profunda, unida ao Espírito Santo e a Trindade santa. A humanidade de Maria aqui tratada de forma vigorosa e profunda, numa relação de amorosidade com as ‘coisas de Deus’. A experiência desta mulher, no seguimento de Jesus, mostra para nós, que a nossa igreja, está ainda muito distante de reconhecer a importância do feminino na caminhada de igreja entre nós.

Maria foi aquela que acreditou! Modelo de discipulado, nos ensina que o caminhar com seu Filho não é nada fácil. O seu coração de mulher, transbordante de Deus, nos faz acreditar que o amanhã virá e com ele, uma nova aurora haverá de nos fazer esperançar. Diante da amorosidade de um rosto feminino de Deus, impossível não lembrar do “Papa do Sorriso”, João Paulo I, De um pontificado bastante breve, de apenas 33 dias, no ano de 1978. No curto espaço de tempo que passou entre nós, foi o suficiente para dizer uma frase que acabou gerando uma grande repercussão: “Deus é mais mãe do que pai”. Ou seja, é a ternura de Deus com o seu jeito feminino de ser, cuidando de todos e de cada um de nós. “Mulher, mulher. Na escola em que você foi ensinada. Jamais tirei um dez. Sou forte, mas não chego aos seus pés.” Pura inspiração, Erasmo Carlos!