Sextou pela primeira vez, depois que retornei ao meu cantinho no Araguaia. Muito diferente das sextas feiras que vi nascer, da janela de um apartamento na cidade grande. Nesta sexta, fiz questão de rezar as margens do Araguaia, vendo o sol se despontar, trazendo-nos um novo dia. Ele não contenta em apenas nos trazer o dia, Aproveita também para proporcionar-nos mais um espetáculo radiante. Tem sido sempre assim cada dia, muito embora, não nos atentamos para contemplar tamanha beleza. É Deus mesmo que se faz presente em cada um destes amanheceres, como se nos dissesse: “Estou aqui e acredito em você e que vai dar o melhor de si neste novo dia.”
Todavia, na nossa atarefada faina diária, nos entregamos aos nossos caprichos pessoais, e não nos damos conta de que, estamos aqui neste plano terrestre, para cumprir uma missão. Acreditando ou não num Ser Superior, todos nós, somos chamados a desenvolver tal missão, dando o melhor que podemos dar. Na família, no trabalho, na escola, na sociedade, na convivência com as pessoas, somos interpelados a não contentar com o mínimo necessário, mas nos empenharmos para que o melhor de nós tenha sido feito. Neste sentido, no cumprimento desta missão, vale aquela máxima, de que não devemos comparar-nos com os outros, mas comparar-nos com o melhor que podemos dar de nós.
Missão esta que foi temporariamente interrompida, na vida do nosso querido irmão Marcelo Barros. Este nosso monge beneditino, sofreu nestes dias, um princípio de infarto, e está internado para a realização de um cateterismo. Marcelo foi um dos grandes amigos de Pedro e também do “bispo vermelho”, Dom Hélder Câmara. Com Pedro, participou de inúmeras reuniões, ligadas à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e também do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Já de Dom Hélder, ouviu uma das frases, pronunciadas por ele, nos seus últimos dias de vida entre nós: “Não deixe cair a profecia!”
A profecia constitui uma das essências do cristianismo. É impensável concebê-lo sem passar pelo veio profético. O próprio Jesus, recorre a um dos profetas do Antigo Testamento (Isaias), para emoldurar a sua missão messiânica: “O espírito do Senhor está sobre mim; porque me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura da prisão aos presos; (Is 61,1) Ou seja, o profeta é enviado para proclamar a Boa Notícia da libertação integral do ser humano, e os destinatários primeiros são os pobres, porque estão abertos à fraternidade e à partilha. Assim, a missão de Jesus é a nossa missão. Ao colocar-nos na mesma perspectiva d’Ele, precisamos também preparar-nos para sermos profetas e profetisas do Reino com Ele.
Missão nada fácil de ser executada, sobretudo porque, haverá o enfrentamento com os “profetas” do ante Reino. Aqueles que sempre lutarão, para não ver a justiça triunfar para os pequenos. Jesus mesmo nos adverte: “Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. (Mt 10, 16) Imbuídos deste espírito profético, os seguidores e seguidoras de Jesus, passaremos pela mesma experiência d’Ele, de sofrer as consequências da missão que liberta e dá vida nova. Sem dúvida que tal missão, atingirá os interesses de muitos e, por isso, provocará a perseguição, a divisão e o ódio, até mesmo dentro da Igreja. Talvez por isso que o Mestre também tenha nos dito: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas.” (Mt 10,16)
Nosso modelo de seguimento é o próprio Filho de Deus, Jesus de Nazaré. Sendo o Filho do Pai, Ele não se escondeu atrás dos privilégios, de ser quem era, e nem dos possíveis títulos eclesiásticos, daqueles que trancafiaram o profetismo nas gavetas do tempo, envelhecidas pela traça. Como Ele, somos também desafiados a realizar em nós a Kénosis, que é o movimento do esvaziar de si mesmo, mas sem perder a própria identidade, para se fazer uma permanente abertura ao outro, no encontrar-se com ele. “Esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo (Fil 2, 7) Embora tivesse a mesma condição divina de Deus, Jesus se apresentou entre os homens como simples homem.