A religião da hipocrisia que mata

Quinta feira da Primeira Semana do Advento. Caminhando e preparando o nosso espírito para a chegada d’Ele que há-de-vir. Da periferia vem a salvação do mundo. Uma pequena e frágil criança traz em si todo o projeto de libertação de Deus para o seu povo. Maria, a mais digna representante da comunidade dos pobres, acolhe em seu ventre de Mãe o Verbo de Deus, gestado na simplicidade de uma pobre família de Nazaré. De onde não se espera nada é que vem o sonho de Deus para nós. O divino se fazendo humano no ventre de uma mulher pobre. São os mistérios de Deus.

Hoje é dia de festa na Igreja Católica. Celebramos hoje a vida de Santo Ambrósio (339-397 d.C.), bispo de Milão e doutor da Igreja. Apesar de pertencer uma família nobre, Ambrósio distribuiu seus bens aos pobres e dedicou-se ao estudo dos Textos Sagrados e dos Padres da Igreja. Em função de suas ricas obras literárias e teológicas, foi lhe conferido, junto com São Jerônimo, Santo Agostinho e São Gregório Magno, o título de grande Doutor da Igreja do Ocidente. Ambrósio se tornou uma testemunha fiel do Ressuscitado, como uma de suas frases assim o demonstra: “Para a pessoa unida a Cristo na cruz, nenhuma coisa é mais consoladora e gloriosa do que trazer consigo os sinais de Jesus Crucificado”.

“Escuta, Israel, o Senhor e só Ele é o nosso Deus. Ama o Senhor, teu Deus, com todo o coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças”. (Deut 6,4-5) Este é uma dos alertas que vem acompanhando a história de Israel desde os primórdios do Antigo Testamento. Já no Pentateuco (Génesis, êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), o povo de Israel já era convidado a estar atento ao falar de Deus nos sinais do tempo. Esta temática trata-se do núcleo central e fundamental da teologia do Deuteronômio. Se Deus é único, a vida da pessoa humana também deve ser única, expressando assim uma resposta de adoração ao único Deus. Uma resposta concreta baseada no amor total e incondicional, que penetra e informa a consciência (coração), o ser (alma) e a ação (força).

É com estas premissas fundantes que Jesus vai nortear o seu ministério público messiânico. Chamou nominalmente os que quis (discípulos), e os trouxe para junto de si, preparando-os com os seus ensinamentos, para que eles fossem os continuadores da mesma missão d’Ele (apóstolos). Jesus escolhe pessoas simples, pois o que importa para Ele, não são os conhecimentos científicos e os títulos acadêmicos dos seus seguidores, mas que eles tenham fé, amor no coração e vontade de servir. Como Jesus não fundou nenhuma religião, o chamado também não é feito num ambiente religioso particular, mas ali, onde as pessoas verdadeiramente vivem, a sua vidinha cotidiana. Este chamamento é de cunho pessoal, pois Ele se aproxima de cada um, fala e o chama. Da mesma forma que Jesus se aproxima de todas as pessoas, e ali, onde ela está, lhe faz ouvir aquela palavra de esperança e de confiança que é o chamado a segui-lo.

Buscai o Senhor, vosso Deus, invocai-o enquanto está perto! (Is 55,6) Nosso Deus tem um projeto de verdadeira realização para a história humana: liberdade e vida para todos e todas. Esse projeto é revelado por Jesus através da sua Palavra, que, gerando acontecimentos, concretiza o projeto de Deus. Cabe à sabedoria humana procurar este Deus, isto é, converter-se para Ele, ouvir a sua palavra e tornar-se aliado seu na luta em prol da liberdade e vida para todos e todas. É por este motivo que Jesus faz no texto de hoje um grande alerta a todos aqueles e aquelas que quiserem segui-lo mais de perto: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus”. (Mt 7,21)

Religião não salva ninguém. Frequência aos templos e atos constantes de adoração e acúmulo de “missas assistidas”, também não! O que o texto de hoje quer nos dizer é que nem mesmo o ato de fé mais profundo de uma pessoa ou de uma comunidade, que é o reconhecimento de Jesus como o Senhor, faz com que alguém seja seguidor de Jesus ou entre para a dinâmica do Reino só por isso. Se este ato de fé pela palavra não for acompanhado de ações concretas de vivência desta fé, torna-se algo vazio e sem sentido. Que o digam as lideranças religiosas do tempo de Jesus, que eram exímios cumpridores de preceitos, leis e normas, mas carregavam em si o peso de uma religião de forte hipocrisia. E a hipocrisia é a mãe de todos os vícios. Seguir Jesus não é só aceitar sua doutrina, mas entregar-se gratuita e incondicionalmente à sua pessoa, colaborando na sua missão e partilhar do seu destino como testemunha fiel. Topa segui-lo desta forma?


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.