A religião do medo

 

Quinta feira da Terceira Semana da Quaresma. Saltamos para a segunda quinzena do mês de março. A Lua minguante do verão, no tempo quaresmal, segue nos propondo uma profunda revisão de vida rumo à Páscoa do Cristo Ressuscitado, vencedor a morte. A cruz do castigo não tem a última palavra. Na Ressurreição, a palavra final é de Deus, que é vida em plenitude para todos. O caminho que nos leva ao calcário com os seus desafios exige mudanças radicais para que assim possamos celebrar o dom maior da vida na pessoa da “Testemunha Fiel”.

Hoje é um dia para ser celebrado com honrarias. Comemoramos “O Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas”. Mudar para continuar vivendo em harmonia no Planeta. Chega de destruição dos sistemas que promovem a nossa vida. O nosso país precisa avançar urgentemente na construção e implementação de políticas públicas sociais e de infra-estrutura que considerem as mudanças climáticas e o “racismo ambiental”. Este último “é aquele que ocorre quando, por ação ou omissão, o poder público, instituições ou empresas negligenciam as condições de risco de vida das populações de baixa renda, em sua maioria negras, que se encontram em áreas de risco de desastres ambientais”. “Conversão ecológica” para superar o “pecado ecológico”, como quer o Papa Francisco.

Importante pensar numa forma de sensibilização para as mudanças climáticas para que possamos viver em paz e em harmonia com a terra que nos dá as condições de sobrevivência nesta vida. Lembrando que no dia de hoje está também programada uma mega operação das Forças de Segurança Nacional para a retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. Por fim ao garimpo ilegal e a invasão dos mais de 20 mil garimpeiros criminosos que hoje estão dentro deste sagrado território, levando a contaminação, as doenças e a morte. Um ecocídio e etnocídio genocida, dizimando as populações indígenas, no extremo Norte do território brasileiro e o Sul do território venezuelano.

“Índio tem muita terra”. Esta é mais uma das inverdades da linguagem do senso comum e que o Agronegócio apropriou para seguir invadindo e grilando as terras indígenas. Se esta frase fosse dita no início do período colonial, até que poderíamos concordar. O Brasil possui uma extensão territorial de 851.196.500 hectares, o que corresponde a 8.511.965 km2. Entretanto, as terras indígenas totalizam 726 áreas, ocupando uma extensão total de 117.377.553 hectares (1.173.776 km2). Desta forma, cai por terra a afirmativa inicial, já que apenas 13.8% das terras da União estão reservadas para os povos indígenas. E ainda com uma concepção diferente do usufruto destas terras, como podemos perceber pela fala do Cacique Xavante, Damião Paridzané: “A terra não é nossa, nós é que pertencemos a ela”.

Quaresma é tempo de se pensar numa outra forma de viver a fé, de viver a religião que se acredita. Não de uma “religião do medo”, como uma parcela da Igreja Católica vê ainda a religião, influenciada pelo pensamento do período medieval. Naquele período histórico, a Igreja Católica Romana exercia domínio religioso total, com grande influência sobre a sociedade. Influência esta que se estendia à vida social e comportamental das pessoas. O Papa era tido como um representante de Deus na Terra. De lá que herdamos a “religião do medo”. O temor a Deus não era tido como um sentimento de respeito e reverência, mas com um medo terrível, fundamentado pela teologia do medo do imaginário do inferno, do diabo dos sofrimentos, mantendo os fieis alienados da verdadeira face do Deus da amorosidade e da misericórdia acima de tudo.

O Texto do Evangelho de hoje nos ajuda a ter um entendimento melhor acerca da nossa relação com Deus através de uma prática religiosa de cunho libertador. Deus não é Senhor do medo, mas do amor incondicional. Ao curar um endemoninhado, Jesus não realiza um ato assustador de pura magia, mas demonstra através de sua ação a libertação total daquela pessoa, devolvendo a ela a possibilidade da fala: “Jesus estava expulsando um demônio que era mudo. Quando o demônio saiu, o mudo começou a falar, e as multidões ficaram admiradas”. (Lc 11,14). O pensar, o falar e o agir sem alienação. Assim, relacionar com Deus de forma libertadora é libertar-nos de todos os “demônios” que tomam conta da sociedade e de nosso imaginário alienado: o demônio do comodismo, da indiferença, da mentira, da falsidade, da intolerância, do cruzar os braços. Ou fazemos isso ou estamos fadados a carregar o fardo pesado de saber que: ”Quem não está comigo, está contra mim”. (Lc 11,23)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.