A salvação é decidida na história: geralmente, morremos como vivemos

Reflexão: Liturgia da Comemoração de Todos os Fiéis Falecidos,
quinta-feira, 02/11/2023

 A Liturgia deste Dia de Finados nos lembra de que a Igreja, desde o seu início, cultivou, com grande piedade, a memória dos mortos, visitando seus túmulos e oferecendo-lhes orações. Recordamos que Santa Mônica, quando prestes a morrer, disse ao seu filho, Santo Agostinho: “Não te esqueças de lembrar-se de mim no altar do Senhor, onde quer que estejas”. No século V, a Igreja dedicava um dia do ano para rezar por todos os mortos, principalmente pelos esquecidos e ignorados. Mais tarde, ano de 998, o abade do mosteiro de Cluny, na França, Santo Odilon, pedia aos monges que orassem pelos mortos. O grande número de mosteiros beneditinos ligados a Cluny favoreceu a ampla difusão dessa comemoração em muitos países da Europa. Os papas do século XI também orientavam as comunidades a dedicarem um dia de oração pelos mortos. Em 1311, em Roma, foi declarada oficialmente a memória anual dos mortos que passou a ser comemorada em dois de novembro, após o dia primeiro, Festa de Todos os Santos.

O Dia de Finados é um convite a olhar a morte com os olhos da fé e não com o olhar de desespero. O cristão chora e permanece triste diante da morte, porém nunca entra em desespero: “Saudades sim, desespero não”. Somos enviados a viver na esperança da ressurreição, confiar em Deus que não condena, mas é sempre misericórdia infinita. O ser humano não é destinado à desgraça, mas à vida eterna. Neste sentido, a morte é transformação, passagem, continuação da comunhão com Deus. Geralmente, a morte encerra o que foram nossas opções em vida: a favor ou contra Deus. Geralmente, as pessoas morrem como vivem. Somos destinados para a glória, para as bem-aventuranças, mas isso só se concretiza quando realizamos a vontade do Pai, isto é, quando somos caridosos, humildes, sinceros, mansos, misericordiosos, promotores da paz e da justiça. Os grandes santos não tinham medo da morte, nem festejavam a morte, mas celebravam a vida na certeza da ressurreição, fortaleciam e davam testemunho de fé na ressurreição. Ex: São Francisco: “Irmã morte”.

Nosso Deus não quer a morte, Ele dá nova vida àquele que está morto. Ele é um Deus da vida que ressuscita os mortos, e isso provou, ressuscitando Jesus. A morte não é o fim, mas profunda e completa transformação do ser humano em todas as suas dimensões. Quem realiza tudo isso é o próprio Deus, não será obra do ser humano. O Apóstolo Paulo diz que Deus “faz os mortos viverem e chama à existência aquilo que não existe” (Rm 4, 17).

Em Cristo vivemos e nos comunicamos com os vivos e com os mortos, estes últimos somam-se ao Corpo Glorioso de Cristo e passam a ser um só corpo, uma só vontade. Então, a vontade dos que já morreram sobre nós é que vivamos felizes; mas só viveremos felizes e realizados se obedecermos à lei de Deus:

Aproximando-se o dia de sua morte, Davi ordenou a seu filho Salomão: Eu vou seguir o caminho de todos os mortais. Seja forte e comporte-se como homem. Cumpra as ordens do Senhor seu Deus, andando pelos caminhos Dele e observando seus estatutos, mandamentos, normas e testemunhos como estão escritos na lei, para que você tenha sucesso em tudo o que fizer e projetar. Então o Senhor cumprirá o que prometeu (1Rs 2, 1-4ª).

A vida é uma viagem, a morte é uma passagem para o último e definitivo encontro com Deus. Para manifestar que a vida não tem fim e não acaba com a morte, as pessoas levam flores, velas e outros objetos aos cemitérios e os depositam nos túmulos.

Enfim, como podemos ser úteis aos que já faleceram e ao mesmo tempo nos ajudar também, no caminho da salvação? Penso que será pela prática da piedade (terços, missas etc.) e da solidariedade com os mais fragilizados da sociedade. “A caridade cobre milhões de pecados”. A salvação é também uma obra comunitária, “ou nos salvaremos todos juntos ou, então, juntos, miseravelmente pereceremos”. Isso se confirma no texto bíblico, quando um paralítico é apresentado a Jesus (Mc 2, 1-12), Jesus o salva e o cura, não são mencionadas virtudes ou esforço do paralítico, mas sim a fé da comunidade. A comunidade tem grande poder de salvar e curar quando tem fé e leva os “paralíticos” diante de Jesus.  Nunca podemos nos esquecer de que viver em comunidade é ser: “um por todos, todos por um, todos por todos, o tempo todo”.

Outra coisa: embora sejamos pecadores, medíocres e fracos, encontramos, em muitas pessoas, tanto amor para conosco. Imaginemos quando, então, purificados na plenitude do reino e diante da misericórdia de Deus? Pensemos, também, “se a humildade levou ao céu um ladrão, antes dos apóstolos, ora, se unida aos crimes ela é capaz de tanto, qual não seria seu poder se estivesse unida à justiça?”.

Obs.: Para ampliar esta reflexão litúrgica do Dia de Finados, sugiro ver minha reflexão litúrgica do Domingo de Páscoa, com o tema: “Páscoa: a vitória da vida”.

Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.


Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá. Atualmente é Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Sarandi PR.