A semente do mistério

E não é que sextou! Última sexta feira do mês de janeiro. Experiência única de viver um dia que não mais retornará. Razão pela qual, devemos vivê-lo na sua intensidade máxima. Cada dia é único no nosso plano existencial, que nos dá a chance de fazer o melhor que cada um pode dar de si. Não se contentar com o mínimo já é uma grande atitude. Quem se contenta com o mínimo, torna-se um ser insignificante para o todo da sociedade. Não se comparar com quem quer que seja, é também uma das virtudes a serem conservadas. O melhor mesmo é comparar com o melhor que cada um pode dar de si mesmo. Eis o segredo de quem passa pela vida e será lembrado pelo seu legado.

28 de janeiro é um dia especial para a nossa caminhada eclesial. Hoje fazemos memória de um dos grandes pensadores da Igreja: São Tomás de Aquino (1225-1274). Um frade italiano, que viveu apenas 49 anos no século XIII, mas eternamente lembrado pela sua enorme contribuição para a filosofia e a teologia, sobretudo no campo da Escolástica. Ou seja, Tomas de Aquino, grosso modo, através do racionalismo, buscou explicar o mistério da existência de Deus, e as incidências deste, nas relações entre as pessoas, conjugando razão e fé. Através da lucidez de seu pensamento filosófico-teológico, tratou de explicar “Quem é Deus afinal”?

Não nos esqueçamos que São Tomás viveu em plena Idade Média, período que vai do V e XV. Numa época em que a Igreja ainda era influenciada pelo pensamento de Santo Agostinho (354-430). Tomás elaborou um amplo sistema filosófico que conciliava a fé cristã com o pensamento do grego Aristóteles (384-332 a. C.), ainda que este filósofo tenha sido condenado pela Igreja Católica. Não é à toa que Tomas de Aquino foi considerado o mestre da razão e da prudência. Sua canonização aconteceu, em 1323, pelo Papa João XXII. Posteriormente, em 1567, recebeu o título de Doutor da Igreja no pontificado do Papa Pio V. Quem não leu a sua obra prima “Suma Teológica”, escrita entre os anos de 1265 e 1273, aconselho a fazê-lo. Ali, o leitor sentirá a influência desta frase do autor: “A sabedoria é a maior perfeição da razão e sua principal função é perceber a ordem nas coisas”.

A sabedoria e o conhecimento se traduzem em mistério a ser esmiuçado e desvendado pelo pensamento humano. É bom que saibamos que o mistério se faz presente na base da vida humana. O simples fato de existir, já se torna um mistério em si, com cada célula, cada membro de nosso corpo, exercendo uma função precípua e imprescindível para o todo. A palavra mistério vem do grego “μυστήριον” e também do latim “mysterium”, que livremente poderia ser traduzida por algo que tem causa “oculta”, “desconhecida”, “incompreensível”, “inexplicável”, “insondável”. O próprio William Shakespeare já nos dizia que: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar”.

Mistério que também se faz presente na vida de Jesus e na sua relação com o Pai e com a humanidade. Ele, em pessoa vem desmistificar e desvendar o mistério de Deus, se fazendo uma divindade humana indizível e indelével em nosso existir humano. A vida como dom maior de Deus é um mistério. Mistério da concepção de sermos a imagem e semelhança do Criador. E no dizer de nosso físico maior: “A mais bela e profunda experiência que um homem pode ter é a sensação do mistério. É o princípio fundamental da religião, bem como o de todo o esforço sério que está na base da arte e da ciência”. (Albert Einstein 1879-1955),

Mistério do Verbo encarnado na realidade histórica de nossa humanidade. Mistério da vida plena na limitação histórica de nossa existência. Mistério anunciado por Jesus no Evangelho de hoje quando o Mestre de Nazaré afirma que: “O reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. (Mc 4, 26) O Reino que se faz mistério no mistério da semente que já traz em si a potencialização do fruto, escondido em suas entranhas. Semente do Reino que frutifica na ação de cada um dos semeados e semeadores. Mistério que se faz presente na palavra anunciada e testemunhada na ação cotidiana dos que a escutam.

Semente que cai no chão germina e frutifica. Chão da terra do coração previamente preparado para a semeadura. Chão do existir humano transformado em ações de justiça, fraternidade, solidariedade, ternura, compaixão, em defesa da vida plena para todos e todas. Jesus, a semente da missão de Deus. Semente que se transforma em missão naqueles e naquelas que se tornam semeadores da semente do Reino de Deus e da transformação que ele provoca. Uma vez iniciada, a ação de Jesus em nós, a semente cresce e produz fruto de maneira imprevisível e irresistível. O Reino já está presente no embrião da semente. “A terra, por si mesma, produz o fruto”. (Mc 4,28). Somos semeadores da esperança da semente, sem agonia e sem pressa de acontecer o fruto, até porque como dizia o velho Marx (1818-1883): “a nossa pressa histórica, não apressará o momento histórico”. O fruto do acontecimento do Reino está presente no mistério de Deus.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.