A serviço do Reino

Segunda feira da quinta semana do tempo comum. Iniciamos a semana ainda ressoando em nós as palavras ditas por Jesus no Evangelho da liturgia de ontem: “Não tenhas medo!” (Lc 5,10). Esta expressão aparece pelo menos 61 vezes na boca de Jesus nos relatos dos evangelhos. Jesus, encorajando a Pedro e também a cada um de nós para que sejamos capazes de encarar a vida de frente, sem temer mal algum afinal, Ele se faz presente em nós e em nossa história. Cientes desta verdade podemos repercutir em nós a indagação feita por São Paulo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós”? (Rm 8,31)

Ontem, excepcionalmente, não estive presente aqui com os meus rabiscos diários. Como fui escalado para celebrar com a comunidade Santo Agostinho, aqui na periferia de São Félix, aproveitei para conviver um pouco mais de perto com aquela aconchegante comunidade. Depois de muito tempo, voltei àquela comunidade, para com eles celebrar. Um povo muito simples e acolhedor. Um domingo muito feliz e especial para mim. Eles se alegraram com a minha presença entre eles e eu muito mais ainda. Tendo a imagem de Santo Agostinho ali como testemunha, fizemos uma celebração calorosa e de fortes emoções. Deus tem sido extremamente generoso para comigo, ao ponto de não me sentir merecedor!

A semana que passou, marcou profundamente a história da Igreja no Brasil, particularmente da Igreja do Espírito Santo. A diocese de Colatina (ES) promoveu no dia 02, a posse de seu novo bispo, Dom Lauro Sérgio Versiani Barbosa. Este homem desencadeou uma atitude profética, ao ajoelhar-se e beijar os pés do indígena Antônio Carlos Pinto dos Santos, da etnia Tupiniquim, da Aldeia Pau Brasil, em Aracruz (ES). O gesto de se colocar a serviço foi precedido por estas suas palavras: “Nós queremos ser a Igreja sempre mais fiel ao Evangelho de Jesus, uma Igreja pobre nos seus meios e para os pobres. E se há alguém com quem nós temos uma grande dívida, são os povos indígenas”. A Igreja particular de Colatina ganhou um servidor das causas de Jesus de Nazaré, pois no seu entendimento, “o episcopado não é uma honraria, é um serviço”.

A Igreja dos Mártires da Caminhada está de alma lavada. A tradição profética da Igreja está em festa, pois viu surgir um bispo com a cara do povo sofrido, profundamente identificado com as causas dos povos originários. Certamente ainda vamos ouvir falar muito deste novo bispo. Nosso bispo Pedro, deve estar batendo palmas para este novo prelado, que vem engrossar a fila de uma Igreja que teve Dom Hélder Câmara, Dom Tomás de Balduino, Dom Paulo Evaristo Arns e também o nosso poeta do Araguaia, dentre tantos outros mais. Que sirva de exemplo para outros prelados, mais preocupados com suas vestes medievais.

A liturgia de hoje nos reservou os últimos quatro versículos do capitulo seis do Evangelho de Marcos. O evangelista preocupado em narrar para nós os feitos de Jesus, no intuito de fazer-nos descobrir quem é este Homem-Deus afinal? Neste capitulo seis vimos acontecer de tudo um pouco: Jesus que é rejeitado pelos seus conterrâneos; o envio dos doze em missão; a morte cruel de João Batista; a partilha do pão saciando a fome do povo. Entretanto, mesmo com tantos sinais, os discípulos de Jesus tem dificuldade de enxergar n’Ele a presença viva do Deus que nos criou. Diferentemente do povo que acorria a Jesus para ser curado por Ele num simples gesto de tocar na barra de suas vestes.

O texto de hoje relata que, de todos os cantos, os doentes eram trazidos para serem curados por Jesus. A Palestina do tempo de Jesus era uma realidade muito cruel e desumana para os pequenos. Além da terrível desigualdade social, o sistema de saúde não alcançava os pequenos. Doentes e rejeitados, pois se tinha também o entendimento de que a doença em si, era consequência do pecado do doente ou de seus pais. Desta forma, o doente era também considerado impuro. Não podia tocar e nem ser tocado por ninguém. Jesus subverte esta ordem e vai dizer que doente mesmo era o sistema que fabricava as pessoas doentes. Tanto que se deixa tocar por elas e as cura de suas enfermidades, devolvendo-lhes a alegria de viver.

Em Marcos vemos um Jesus que revela em si a face do verdadeiro Deus. Repete o gesto ocorrido no Antigo Testamento: “EU Sou Aquele que Sou” (Ex 3,14) Marcos desvendando para nós quem é este Jesus, através dos múltiplos acontecimentos e sinais realizados por Ele. Jesus que nos toca e deixa ser tocado por nós. Ele é a revelação plena de Deus em nossas vidas. Quantas pessoas não se deixaram tocar por este Jesus e se fizeram servidores, dando suas vidas de forma coerente no seguimento d’Ele, fazendo acontecer no aqui e agora de nossa história o Reino sonhado por Deus? Tocar em Jesus e deixar ser tocado por Ele. Para isso é necessário ouvir a voz de nosso coração, como já nos dizia a nossa Irmã Dulce dos pobres: “Habitue-se a ouvir a voz do seu coração. É através dele que Deus fala conosco e nos dá a força que necessitamos para seguirmos em frente, vencendo os obstáculos que surgem na nossa estrada”. Vem Senhor Jesus!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.