A servidora dos pobres

Festa da anunciação do Senhor. Nesta quinta-feira (25) a Igreja celebra o ponto de partida da vida cristã, abrindo assim o Novo Testamento. Deus fazendo uso do útero de uma mulher para se revelar e se encarnar na história da humanidade. Assim, o Filho de Deus passa pela experiência da gestação. Jesus que é divino, mas que também é humano, gestado no útero de Maria. Mesmo sem entender aquilo que se passava consigo, Maria dá o seu sim e se coloca à disposição de Deus para levar adiante o seu projeto salvífico para toda a humanidade.

Uma mulher simples e pobre da periferia de Nazaré. Encarna em si o sonho de todas as mulheres até então, de ser escolhida por Deus para entrar para a história da salvação. Maria se torna a privilegiada por ter sido a escolhida. Ela é aquela que acreditou diante da proposta de Deus. “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1, 28) Através de seu sim consciente e decidido, ela se coloca a disposição de Deus: “Eis aqui a servidora do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1, 38)

Todos e todas esperavam pela libertação. Maria se torna a mui digna representante da comunidade dos pobres que esperam pela libertação. Com ela, os pobres, sempre desprezados, têm a sua dignidade reconhecida, pois ela se torna a voz e a vez dos pequenos. E com este seu gesto de entrega confiante, nasce Jesus Messias, o Filho de Deus. Deus intervém na história e permite que aquela mulher, do meio dos pobres, possa conceber sem ainda estar morando com José. Isto para mostrar a todos que o nascimento do Messias é obra da ação de Deus. Ou seja, aquele que vai iniciar a nova história, surge dentro da própria história de maneira revolucionária.

Maria era uma mulher corajosa e destemida. Enfrentou todas as situações com determinação e altivez. Enganam-se aqueles que pensam que ela fosse uma mulher subalterna e subserviente, que dizia sim para todas as coisas. Muitas vezes esta é a imagem que alguns religiosos têm dela. Ao contrário, basta vermos, por exemplo, no “Cântico de Maria” (Magnificat) para percebermos que ela empresta a sua voz e se faz solidária com a causa dos pequenos: “Derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias”. (Lc 1,52-53)

Esta é uma das mais belas páginas do Novo Testamento. Talvez o mais conhecido dos textos bíblicos de todos os tempos. O cântico de Maria é por excelência o cântico dos pobres, que passa a ter voz e vez. Eles esperavam pela libertação e reconhecem em Jesus de Nazaré a vinda de Deus para libertá-los. Empenhando a sua palavra, Deus cumpre a promessa feita e assume definitivamente o partido dos pobres, realizando a transformação na história, invertendo a ordem social: os ricos e poderosos são depostos e despojados, e os pobres e oprimidos são libertos e assumem o protagonismo e a direção dessa nova história.

O quanto de Maria falta ainda acontecer na caminhada de nossa igreja hoje. Se as lideranças religiosas que temos entre nós entendessem o significado pleno deste gesto de Deus presente no Cântico de Maria, nossa igreja seria outra. Aliás, nem mesmo as mulheres de hoje são reconhecidas dignamente como protagonistas e detentoras de poder de decisão dentro da nossa igreja. Uma igreja dominada pelo patriarcado e pelo clericalismo dos muitos homens que estão à frente dela, sem dar vez e voz a tantas mulheres que carregam esta mesma igreja sobre as costas. Basta saber que elas só tem acesso à seis dos sete sacramentos. O sacramento da ordem, “não foi feito para elas”, justificou-me um padre certa feita.

Ainda bem que temos um papa que pensa e age diferente e vai aos poucos quebrando os paradigmas. Recentemente nomeou duas mulheres para funções no Vaticano que até então só eram exercidas por homens. Uma destas nomeações é a da magistrada italiana Catia Summaria, a primeira mulher promotora de Justiça da Corte de Apelações do Vaticano. Francisco é o cara! Não é atoa que vem sendo perseguido e difamado.

Já passou da hora de dar vez e voz às tantas mulheres dentro da nossa igreja. Com certeza, se assim o fizermos, teremos uma igreja mais humanizada e cheia de ternura. Uma igreja marcada pela amorosidade, característica própria do coração feminino. Não uma igreja carrancuda nos seus dogmas e preceitos morais, mas uma igreja mais samaritana, como quer o papa Francisco, sobretudo na pós-pandemia. Uma igreja acolhedora que se preocupa com as dores daqueles que estão sofrendo, e não como a igreja daqueles padres e bispos que se preocupam apenas com as portas estando abertas para a realização das “santas missas”, que de santa pouco ou nada tem. Que venha a conversão e sejamos esperançosos afinal, como diz um dos versículos do evangelho de hoje: “Para Deus nada é impossível”. (Lc 1,37)