Sábado da Quarta Semana do Tempo Comum. O primeiro final de semana de fevereiro apontou na esquina do nosso pensamento. A vida vai se constituindo e nós vamos também adequando ao que ela nos propõe enquanto perspectiva de realização. “A vida não pára”, canta Lenine em sua bela canção “Paciência”. Somos gente feita para não ficar parados. Parar significa estacionar em meio ao sonho das realizações. A dica do cantor e compositor é insofismável: “Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma. Até quando o corpo pede um pouco mais de alma. A vida não para. Enquanto o tempo acelera e pede pressa. Eu me recuso faço hora vou na valsa. A vida tão rara”.
Meu dialogar com Deus hoje começou ainda muito cedo. Fui acordado pela santa balbúrdia dos pássaros em mutirão em meu quintal. Eles resolveram acordar o dia ao seu estilo, cantarolando e trazendo Deus presente em cada um deles. A natureza em festa salmodiando o dia nos acordes destas pequenas criaturas. Neste clima, me veio à mente uma das canções (Canção para meu Deus), do padre Zezinho, que tinha tudo a ver com o ambiente ao meu redor nesta manhã. Ela que inicia desta forma: “O orvalho da manhã criança. Me fala do meu Deus. O cantar da brisa mansa. Me fala do meu Deus. O pássaro que canta e trina. Me fala do meu Deus. Minha vida uma canção ensina. A canção que eu fiz para meu Deus”.
Pena que lá fora, a dor do irmão que chora, também fala de meu Deus: a dor dos indígenas Yanomami vendo suas crianças e anciãos morrerem; a dor da fome corroendo estômagos; a dor das pessoas em situação de rua; a dor do desempregado; a dor da indiferença; a dor da desigualdade; a dor de uma Igreja que perdeu o profetismo; a dor dos políticos que vivem em função de seus interesses mesquinhos; a dor do descompromisso com a vida humana; a dor da concentração de renda; a dor do descompromisso com a vida humana.
Enquanto isso, a liturgia nos propõe refletir neste sábado sobre as contradições da vida. O pano de fundo é um cenário desolador: enquanto o Rei Herodes celebra o banquete da morte com os grandes, Jesus celebra o banquete da vida com o povo simples e humilde. Depois de dias de intenso trabalho dos discípulos, pelas coisas do Reino, Jesus, vendo o cansaço deles, os convidam a descansar um pouco depois de intensa jornada. Todavia, a novidade da presença de Jesus no meio do povo, os desperta e eles gostaram desta experiência e querem ficar mais tempo com Ele e os seus não lhes dando sossego. Uma multidão de pessoas desassistidas pelos poderes públicos, abandonados: “ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor”. (Mc 6,34)
Jesus, junto com os seus, propõe uma sociedade diferente: a sociedade da partilha. Nela, tudo é de todos. Uma comunhão fraterna de bens e serviços. Nesta sociedade, o menor que padece acredita no menor que com ele caminha. Comunhão fraterna dos bens. Igualdade como projeto de vida entre todos. Nesta sociedade, não há lugar para os que se preocupam apenas em ter mais e mais: aqueles que vivem da ganância e da acumulação indébita, explorando os pequenos. Nesta sociedade, a vida prevalecerá, como profetizou Isaías: “Nunca mais haverá nela uma criança que viva poucos dias, nem um idoso que não complete todos os seus anos de idade; quem morrer aos cem anos ainda será jovem”. (Is 65,20)
“Dai-lhe vós mesmos de comer!” (Mc 6,37). Assim diz o lema da Campanha da Fraternidade de 2023. Na sociedade fraterna proposta por Jesus esta é a diretriz maior para os seus seguidores. O texto que Marcos nos traz hoje conclui que Jesus, diante da grande multidão à sua volta, “teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor e começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas”. (Mc 6,34) O evangelista não diz o que Jesus ensinava, mas o grande ensinamento de toda a cena está no fato de que não é preciso muito dinheiro para comprar comida para o povo. É preciso simplesmente dar e repartir entre todos o pouco que cada um possui, como sempre fizemos em nossas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Jesus projeta a sociedade fraterna, onde o comércio e o lucro são substituídos pelo dom e serviço, e a posse pela partilha. Na sociedade projetada por Jesus não cabe situações como aquela denunciada por Josué de Castro: “Metade da humanidade não come; e a outra não dorme, com medo da que não come.”
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.