A supremacia do amor

Sábado da terceira semana da Páscoa. Uma manhã atípica para o período do outono aqui pelas bandas do Araguaia. O dia amanheceu frio e chuvoso. Seguimos nas nossas trilhas da história, fazendo a nossa parte na construção do novo mundo. O que aí está foge completamente aos desígnios de Deus para nós. Diante de tanta coisa ruim que acontece nestes últimos tempos, a gente pensa em desanimar. Os arautos do desgoverno, seguem com a sua sina: destruir tudo de bom que já conquistamos até aqui. Estamos desgovernados ladeira abaixo. Se a Páscoa é tempo de esperança, clamamos a Deus dizendo: Misericórdia, Senhor! Até quando? Aproveitamos para rezar com o salmista: “Esteja sobre nós o teu amor, assim como está em ti a nossa esperança”. (Sl 33,22)

A esperança vence o medo! Esperançamento sem esperar, mas acontecendo na peregrinação histórica de nossas vidas. Ser e estar com Jesus de Nazaré, nos faz construtores de uma nova realidade plena de amorosidade, a supremacia do amor. A coragem de lutar nos faz porta-vozes da Boa Nova. Notícia alegre do Reino que já está entre nós e ao mesmo tempo ainda não. Reino sonhado por Deus, mas que precisa ser construído com a nossa participação efetiva e afetiva. Como nos ensina a filosofia, ao se referir ao “devir” ou “Vir-a-ser”, que é a passagem de um estado para outro por meio de uma relação conflitante entre as forças: Reino e anti-Reino. Para que uma prevaleça, a outra precisa deixar de existir. Construção que se faz no eixo da história.

No dia de hoje a liturgia encerra o capitulo sexto do evangelho da comunidade joanina. Nele, Jesus continua o seu diálogo com os seus seguidores e seguidoras, preparando-os para a continuidade da missão, que cada um e cada uma terão pela frente, no anúncio e, sobretudo, do testemunho da Boa Nova. Jesus falando sobre o Pão da Vida, que é Ele mesmo, que se dá como alimento para as nossas vidas. Pão partilhado, vidas partilhadas. Jesus surpreende com as suas palavras que são “duras demais” para alguns de seus seguidores. Tanto que, a partir daquele momento, “muitos o abandonaram e não mais andavam com Ele”. (Jo 6,66).

Estar com Jesus pressupõe ser embevecido pela supremacia do amor. O nosso compromisso com Deus se dá inicialmente no plano individual. A opção por segui-lo ou não, é de cada pessoa. A adesão ao Projeto de Deus requer uma resposta individualizada, muito embora a concretização acontece no envolvimento com a caminhada dos irmãos e irmãs na história. Nenhum de nós assume a sua fé, no seguimento de Jesus, para se isolar no seu mundinho particular, mas no sentido de construir o Reino de Justiça, igualdade e fraternidade aqui e agora. A relação com Deus pressupõe inevitavelmente a relação com os irmãos. Portanto, o desafio é de ser como Jesus. Anunciar o Reino e denunciar o anti-Reino.

As palavras de Jesus provocam resistência e desistência até entre os discípulos. Diante daqueles que abandonaram a luta e desistiram da caminhada com Jesus, Ele mesmo se vira para os que permaneceram firmes e os questionam se também eles queriam fazer o mesmo caminho daqueles primeiros. Como sempre, a reação de Pedro é emblemática. Representando os demais, com a sua simplicidade ele conclui: “A quem iremos, nós Senhor? Só Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos” (Jo 6,68-69). Com esta atitude, há uma demonstração clara de que estão mais abertos à ação do Espírito santo de Deus sobre as suas vidas. A luta continua! Desistir jamais! Como nos dizia nosso bispo Pedro: “Somos filhos da resistência. Resistir com teimosia revolucionária na utopia do Reino”. Insistir, resistir, persistir. “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não serve para o Reino de Deus.” (Lc 9,62)

Nós também temos motivos de sobra para não continuar na luta. A noite escura da história nos desanima por vezes. Vamos perdendo aos poucos a vontade de lutar, principalmente diante de tantas frustrações. Estamos vivendo um dos piores momentos de nossa história política, moral, ética e social. Contudo, é nestas horas que precisamos unir as nossas forças na luta coletiva. Além da certeza de contar com esta presença inefável do próprio Jesus, que Pedro, no texto de hoje, resumiu em poucas palavras, façamos nossa uma das frases ditas pelo monge tibetano Dalai Lama: “É durante as fases de maior adversidade que surgem as grandes oportunidades”

Somos seguidores e seguidoras do Mestre Galileu. Temos muitos desafios pela frente e não é esta a hora de pensar em desistir e abandonar as causas. Ele é um conosco e caminha a nossa caminhada. Ele se faz Pão que nos alimenta em nossa jornada pela vida. Todas as vezes que, em comunidade, caminhamos e comungamos deste Pão que é Jesus, sentimos revitalizados, renovando o nosso compromisso. “Eucaristicamente” falando, comer deste Pão que é Jesus é estar sempre pronto a ser pão, ser “Jesuânicos” na vida das pessoas, afinal só Ele tem palavras de vida plena. “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.” (Jo 6, 68) É o mesmo que deixar que a supremacia do amor invada o espaço de nosso ser com Ele.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.