A supremacia humana

Quinto domingo da quaresma. Entramos na reta final deste período litúrgico, onde somos impelidos a repensar a nossa trajetória de vida à luz da Palavra de Deus. A Páscoa se avizinha. Para lá vamos nós, fazer o encontro com a pessoa do Ressuscitado, trazendo conosco os crucificados, pobres e indefesos da história. Experimentar estar com Jesus é fazer a caminhada dos excluídos de ontem e de hoje, descendo-os de suas cruzes. Páscoa que é a passagem da morte para a vida. O triunfo de Jesus, sendo ressuscitado pelo Pai, nos mostra que a vida prevalece sobre as estruturas de morte. A supremacia humana diante do império da Lei.

Ainda repercute em mim a notícia alvissareira que tivemos no dia de ontem. Uma autêntica “Boa Nova”. No Dia Mundial da Conscientização do Autismo (02/04), a jovem Laís Coelho, de 18 anos, foi aprovada para o curso de engenharia aeroespacial na Universidade de Brasília (UnB). Que passo importante deu esta menina, sendo aprovada em 7º lugar pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS), estudando praticamente sozinha. Que belo exemplo nos dá esta jovem garota, que resumiu desta forma o seu grande feito: “Fiquei muito assustada, sem saber se era real. Fiquei surpresa e comecei a pular e sorrir. Pessoas limitam o autista antes mesmo dele tentar. Somos capazes”. Capacidade a toda prova! Parabéns Laís!

Uma jovem mulher sendo protagonista de seu próprio destino. Essas mulheres maravilhosas que tanto nos ensinam. Só não aprende com elas, quem se fecha a esta possibilidade, mergulhando no submundo de sua auto-suficiência. Sou quem sou e o que sou graças à participação decisiva de algumas mulheres em minha história de vida. Jesus tinha um carinho todo especial pelas mulheres de seu tempo. Várias delas seguiram-no, mesmo que os Evangelhos não tenham registrado todos os passos delas, na missão de seguir o seu Mestre. E Jesus não poderia ser diferente disso, afinal na Palestina de seu tempo, as mulheres nada mais eram que um simples objeto de desejo nas mais de seus maridos. Neste sentido, elas deviam ao esposo total fidelidade e lealdade, mas, por princípio, eram consideradas como naturalmente infiéis, desvirtuadas e falsas.

Menos sorte teve uma pobre mulher que nos é apresentada pelo evangelho Joanino deste quinto domingo (Jo 8,1-11). Uma pobre mulher, surpreendida em flagrante adultério, é trazida a Jesus pelos mestres da Lei e os fariseus. Ou seja, diante do Mestre, é colocado um caso jurídico cuja resolução era mais do que óbvia do ponto de vista da lei de Moisés: “O homem que cometer adultério com a mulher do seu próximo se tornará réu de morte, tanto ele como a sua cúmplice. (Lv 20,10); “Se um homem for pego em flagrante tendo relações sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, tanto o homem como a mulher”. (Dt 22,22)

Apedrejamento. Apedrejados até a morte. Esta era a forma sem piedade que preconizava a Lei. Mas o mais estranho nesta narrativa é que o homem não fora trazido junto com a referida mulher. Uma situação embaraçosa para Jesus resolver e mais uma vez Ele faz uso de sua pedagogia libertadora: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8,7). Com esta sua atitude, Jesus desmascara aquela gente hipócrita e cínica, pois cada uma delas, certamente, tinha um corolário de pecados sobre suas costas. O texto conclui que: “E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos”. (Jo 8,9) A concepção de Jesus sobre o pecado está embasada naquilo que Paulo vai nos dizer: “Onde foi grande o pecado, foi bem maior a graça”. (Rm 5,20)

Jesus desconstrói e desmonta o discurso de ódio de uma sociedade que insiste em fazer cumprir a Lei, sem levar em consideração a pessoa humana. Mais uma vez Jesus mostra que a pessoa humana está acima de qualquer lei. Assim, as pessoas, quem quer que seja não podem julgar e condenar, porque nenhuma delas está isento de pecado. E o mais interessante, a saber, é que o próprio Jesus não veio a este mundo para julgar, pois o Pai não quer a morte do pecador, e sim que ele se converta e viva: “O que eu quero é que ele se converta dos seus maus caminhos, e viva”. (Ez 18, 23). Diante daquela mulher pecadora, Jesus dá o veredito: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais”. (Jo 8,11) Jesus e sua ação libertária. Ou seja, quando estivermos em situação semelhante, com as pessoas com pedras, para nos destruírem, lembramos que Jesus está conosco, escrevendo uma nova história para as nossas vidas, afinal Ele e o Pai estão em sintonia direta, querendo que vivamos em plenitude com todas as nossas potencialidades. “Eu não sinto prazer com a morte de ninguém”. (Ez 18,32)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.