A Terra sem Males

Sábado da Oitava da Páscoa. Fizemos um longo percurso até aqui. Primeiro passamos pela quaresma, tempo especial de pensar e fazer acontecer a nossa conversão para caminhar com o Ressuscitado. Estivemos presentes com Ele na sua Paixão, Morte e Ressurreição. Agora estamos desejosos de viver com Ele a vida plena da vitória da vida sobre a morte, sem nos esquecermos do nosso anúncio e testemunho d’Ele, que se faz presente no meio de nós. Este período litúrgico perdura por 50 dias, findando no Domingo de Pentecostes, reforçando a nossa caminhada, com a vinda do Espírito Santo.

Se ontem refletimos sobre a Terra e as suas frequentes ameaças com o Dia Internacional da Mãe Terra, impossível pensar neste dia sem nos atermos à perspectiva do Povo Guarani com a sua busca da “Terra Sem Males”. A chamada Terra Sem Males é uma concepção de mundo do povo Guarani, que perdura desde o século XVI. Um lugar almejado, onde não existam: doenças, dor, sofrimento, rivalidades, violência e falta de generosidade e reciprocidade. Na realidade, trata-se de um espaço mítico onde o “teko porá” (“bom proceder”) predomina em relação ao teko marã (“mal proceder”) e o mba’e meguã (“coisa má”). A Terra Sem Males reflete o profundo anseio humano do Povo Guarani, por um mundo melhor, de plenitude e felicidade para todos. A Terra do Bem Viver.

23 de abril. Um dia muito especial para a caminhada de uma Igreja comprometida com a causa indígena. No dia de hoje, no ano de 1972, era criado o Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Cinquenta anos se passaram. Órgão vinculado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cuja finalidade é a de articular, organizar e subsidiar o trabalho da Igreja comprometida no apoio à luta dos povos indígenas. O CIMI representou uma mudança profunda de paradigma na caminhada da Igreja, aproveitando-se dos bons ventos da Teologia da Libertação, num contexto sócio histórico político, em que a Ditadura Militar consignava a proposta “integracionista”, objetivando “incorporar” os indígenas à comunhão nacional, tornando-os “brasileiros” como os demais habitantes do solo nacional.

O CIMI nasce com uma propositura diferenciada e na contramão daquilo que propunha os governantes militares. A ideia central foi a de promover uma evangelização encarnada de presença inculturada em meio às comunidades indígenas, desenvolvendo com eles um processo de descolonização e desconstrução de alguns conceitos, provenientes da herança colonial perversa, que perdura até os dias de atuais, em meio a nossa sociedade. Evidentemente que tal órgão não foi bem visto pelos governantes da época, uma vez que era uma pedra no sapato dos militares que, no intuito de promover a integração do índio ao contexto nacional, entre outras coisas, deixava as suas terras livres para os interesses dos grandes latifundiários na espreita. O CIMI oportunizou a reflexão que “Direitos não se pede de joelhos, exige-se de pé”.

Mas voltando ao sábado em que estamos vivendo, a liturgia deste dia nos apresenta o texto do evangelista São Marcos (Mc 16,9-15). Um texto diferente de todo o seu evangelho, o que levou alguns exegetas a afirmarem que foi um texto acrescido posteriormente. Marcos tem um jeito próprio de escrever e uma preocupação central a de responder a pergunta: Quem é Jesus afinal? Isto para que os seus leitores chegassem a conclusão por si mesmos, de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus vivo. Entretanto, no texto de hoje em questão, ele apresenta uma síntese das aparições de Jesus aos seus primeiros seguidores. Da mesma forma que apresenta também qual deve ser a missão da Igreja como continuadora desta mesma missão de Jesus.

Por incrível que pareça, os seguidores mais próximos de Jesus ainda permaneciam incrédulos, quanto a possibilidade de sua ressurreição. “Tudo por causa da falta de fé e pela dureza de coração. (Mc 16,14). Não acreditavam no testemunho dado por aqueles e aquelas que o haviam visto ressuscitado. Foi preciso que o próprio Jesus se colocasse no meio deles, para que vissem com os seus próprios olhos. Este é o grande desafio para todo aquele e aquela que aceita fazer parte do projeto de Deus, revelado em Jesus. Acreditar é um ato de fé e compromisso de fazer-se com Ele e por Ele na missão de evangelizar. Nossa missão é evangelizar, afinal foi Ele mesmo que nos delegou tal tarefa: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura!” (Mc 16,15) Anunciar com a própria vida. Anunciar com o testemunho. Anunciar sendo vida na vida das demais pessoas, mesmo num contexto da ante-vida, afinal, “enquanto há vida, há esperança”. (Ecles 9,4) Ele está vivo no meio de nós e quer uma terra sem males.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.