A transparência do Reino

Quarta feira da Décima Sétima Semana do Tempo Comum. Estamos dando o segundo passo dentro do mês de agosto. Mês que começou reverenciando a Mãe Terra. Na verdade, o mês de agosto é dedicado à “Pachamama”, ou seja, a “Mãe Terra”. Uma forma de reconhecer e agradecer pelo sustento que ela nos dá. Segundo a concepção dos Povos Andinos, a Pachamama é a maior divindade feminina, que possui o dom da purificação e tem uma conexão mística com a origem e criação de todo o Universo, incluindo os seres humanos. Ela é a Mãe de Todos. PachaMama representa o sentido da vida, o nascimento, a maternidade e a proteção da Terra e de seus filhos que nela habitam.

Compreendi ainda muito cedo esta forte relação que os povos indígenas têm com a terra, com a natureza. Desde os meus primeiros, passos na caminhada com eles, percebi esta sintonia umbilical com a terra, com a natureza. Na sua cosmovisão, que não se faz sob uma perspectiva geopolítica, mas centrada na relação estreita com o meio em que vivem, há um profundo respeito a todos os seres criados, como fazendo parte de um todo. Nenhum destes seres é mais importante que o outro, mas todos se interlaçam numa relação de complementariedade. Uma concepção de mundo que fez o Papa Francisco concluir com a sua encíclica Laudato Si: “Tudo está interligado”.

Somos todos, filhos e filhas de Deus! Esta é a visão do Criador diante de sua obra criada: “Deus contemplou toda sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Desta forma, Ele nos chama a buscar um novo estilo de vida, que seja aberto ao bem, à verdade e à beleza!” (Laudato Si’, 205). Uma relação de amorosidade com todas as coisas criadas por Deus, pois elas nos complementam na busca por nossas realizações. Como dizem os indígenas, “a terra não é nossa, nós é que somos filhos da terra”. Uma mudança profunda no reconhecimento de que o ser humano não é o todo poderoso que manda em tudo, mas que está intrinsecamente ligado a este todo do qual fazemos parte. Por isso o cuidado que devemos ter com esta Casa Comum.

Assim é também o Reino de Deus que Jesus veio nos trazer com a sua encarnação. “Deus amou tanto o mundo que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna”. (Jo 3,16) A vida plena nesta vida e mais a oportunidade de repousar nos braços do Pai na eternidade. No Reino de Deus, do qual Jesus nos fala, não há espaço para aqueles e aquelas que se acham autossuficientes, prepotentes, arrogantes, que se sobrepõem aos demais, numa relação de superioridade. “quem desejar ser importante entre vós será esse o que deva servir aos demais”. (Mt 20,26) No Reino de Deus, a autoridade não é jamais exercício de poder, mas a predisposição para o serviço que se exprime na entrega de si mesmo para o bem comum.

Deus é fiel sempre! Para Mateus, Jesus é o Messias que realiza todas as promessas feitas no Antigo Testamento. Tal realização ultrapassa todas as expectativas puramente terrenas e materiais dos primeiros seguidores de Jesus e também as nossas. Por isso, como comunidade reunida em torno de d’Ele somos aqueles e aquelas que nos tornamos os continuadores e portadores da Boa Nova, da Boa Notícia à todas as pessoas, a fim de que elas pertençam ao Reino de Deus.

Reino de Deus que na liturgia deste dia de hoje é comparado com: um tesouro escondido no campo; e também como um comprador que procura pérolas preciosas. Reino que acontece não apenas como algo que cai dos céus, mas que vai se fazendo como algo que precisa ser encontrado a partir das nossas buscas. Todos e todas somos chamados para fazer parte deste Reino. Ninguém está excluído dele. Todavia, para nele entrar é necessária uma tomada de decisão, uma escolha precisa acontecer. Aqueles e aquelas que ficarem apegados aos seus preconceitos, ódios, injúrias, rancores e não decidirem pela prática do amor, da partilha, da fraternidade e da misericórdia, auto excluem desta lógica do Reino. Como nos diz o teólogo espanhol José Antônio Pagola: “A vida é o grande dom que recebemos de Deus; se não tivéssemos nascido, ninguém sentiria a nossa falta”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.