A vida pede passagem

Quarta feira da quarta semana da quaresma. A vida é dom maior de Deus a nós! Atentar contra a vida é afrontar o próprio Deus que nos gerou no ventre de nossa família para vivermos abundantemente na gratuidade de Deus. Neste tempo da quaresma, somos impelidos a fazer uma incursão em nosso interior para, a partir dali, fazermos um encontro íntimo e pessoal com o nosso Deus, para verificar em que momento ferimos o mandamento maior da vida. Convergir para Deus o nosso olhar, nosso ser e pensar, para sermos com/como Ele, defensores da vida para todos e todas.

A vida humana pede passagem. A vida dos demais seres do planeta também. A vida em primeiro lugar! O Brasil tem figurado entre os países que mais ferem diuturnamente o direito das pessoas de alcançar a sua plenitude. A vida é ameaçada de várias maneiras em nosso país. Nossos indígenas seguem sendo ameaçados com a avalanche devastadora de madeireiros, garimpeiros, pecuaristas e “produtores” de commodities agrícolas. Nunca se matou tantas lideranças indígenas como nestes últimos três anos de nossa história. Também os ambientalistas seguem sendo mortos por defenderem uma floresta que beneficia a toda humanidade. Sem falar da população preta, pobre e periférica, que perde as suas vidas pelos aparatos de segurança do Estado. Além do que, o Brasil é o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo.

Onde e quando tudo isso vai parar? Ficamos nos perguntando atônitos. Certo é que não nascemos para tirar a vida de quem quer que seja. Pelo menos esta é a orientação que nos vem de nosso próprio Deus. Deus que não abandona jamais os seus e faz um pacto pela vida, como fica evidenciado no texto do profeta Isaías: “Pode a mãe se esquecer do seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você”. (Is 49,15) É muita amorosidade vinda de nosso Deus, que nos ama apaixonadamente e quer que sejamos plenos de luz durante toda a nossa trajetória de vida. Vida que te quero vida!

Neste ano de 2022, estamos celebrando 51 anos bem vividos de nossa Teologia da Libertação. Ela que nasceu lá no ano de 1971, em Montevideu, capital do Uruguai com a publicação do livro “Hacia uma teologia de la liberación” (“Para uma teologia da libertação”), de autoria do teólogo peruano Gustavo Gutierrez. Todavia, mais tarde, em Lima, Gutierrez nos brinda com o texto “Teologia da libertação”, ensaiando os primeiros passos desta teologia que influenciaria toda a caminhada da Igreja latino-americana à luz de suas pertinentes reflexões.

O contexto histórico era o do pós-conciliar, uma vez que o Concilio Vaticano II (1962-1965), havia dado as coordenadas libertárias para a Igreja caminhar sob a luz da modernidade, permitindo que os ventos do Espírito soprassem no seu interior, tirando o mofo de suas entranhas eclesiais, renovando o pensamento, o modo de ser e agir no mundo. Alguns até falavam que a Teologia da Libertação era antes de tudo, uma libertação da Teologia. Uma teologia que nasce, portanto, com os seus pés fincados no chão da experiência concretizada pela Opção pelos Pobres e contra a pobreza, a favor da vida e da liberdade. O seu principio fundante é o seguimento concreto de Jesus de Nazaré, sua pedagogia, sua prática e espiritualidade libertadora, num continente marcado pela desigualdade social. Se bem que para alguns signatários da Teologia da Libertação, como nosso bispo Pedro, havia a consciência clara de que “ou a Teologia é da Libertação ou não é teologia”. Uma teologia que abre caminhos de libertação à luz da Palavra de Deus.

Teologia da Libertação que luta pela vida dos sofredores da história. Como o faz Jesus na liturgia do dia de hoje. Continuamos a leitura de ontem, trazendo ainda a repercussão da cura que Jesus havia feito a uma pessoa com deficiência. Os judeus ficaram indignados Poe Ele ter feito a cura num dia de sábado, dia sagrado para eles. Porém, no texto de hoje Jesus vai mais além, quando se coloca em sintonia perfeita igualdade com o Pai. “Eu e o Pai somos um”. (Jo 10,30) Aí já era demais para os defensores da Lei. Alem de violar flagrantemente o sábado, Jesus estava se igualando ao próprio Deus. Um Deus que procura dar a vida em amplitude, chegando ao seu ápice com a ressurreição. Ressuscitar não é apenas voltar à vida física, mas levantar-se para começar vida nova e transformada. A morte assim não tem a última palavra, pois ela está sendo vencida definitivamente na ressurreição final. “Escolha a vida e viverás”. (Dt 30,19)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.