Mais um sábado se faz presente em nossas vidas. Não um sábado qualquer, mas um sábado de temporada de praia no Araguaia. As mais belas praias de água doce que há. Contudo, as pessoas ainda se comportando como se não estivéssemos atravessando uma pandemia de proporções incertas. Famílias recebendo os seus, que vieram de longe, e se aglomerando nos acampamentos, montados nas inúmeras praias que se formaram, em frente ao cais de São Félix. Sem medo de serem felizes e também, sem medo do vírus invisível e traiçoeiro. Negacionismo aqui tem nome e sobrenome: adeus Ciência!
Acordei nostálgico no dia de hoje. Ainda bem cedo rezei, ecumenicamente com os pássaros que vieram tomar o seu café da manhã comigo. Centenas de periquitos sobre as árvores de meu quintal. Mas o que chamou mesmo minha atenção, foi o café ecumênico de dezenas de pássaros, das mais variadas cores e nomes, alimentando-se com os mamões colocados ali para eles. Lado a lado, cada um deles, servindo a sua porção, degustando prazerosamente, daquele saboroso fruto, dando-nos a lição de que tudo é para todos e pode muito bem ser compartilhado entre todos.
Começar o dia rezando em meu quintal não tem preço. Aqui, sinto como se estivesse desfrutando de um pedacinho do paraíso. Sinto a presença viva de Deus, em cada uma das suas criaturas. Cada qual, falando a sua língua, e louvando a Deus no seu dialeto próprio. É como se Deus mesmo estivesse cantando, através de cada uma das melodias destes pequenos seres. São capazes de entoar, numa felicidade sem limites. Experimentei em mim um pouco do que sentia São Francisco de Assis, que era chamado de louco, porque conversava frequentemente com tais criaturas. Como seria bom se todos nós entendêssemos, que somos parte deste Cosmo, não como seres superiores, mas um igual a cada um destes seres, vivendo uma harmonia sincrônica e simbiótica com o universo!
É por tal motivo, que sempre digo, que temos muito o que aprender com os povos originários, que tem uma relação ímpar com a floresta. Sabem que são importantes na relação com o meio que os envolvem, mas também entendem, que todos os demais seres são tão importantes quanto eles. A terra é um bem coletivo. Não relacionam com ela como “minha terra”. O que é de um, é de todos e o que é de todos é de um. Jamais a veem como um bem de capital, no intuito de obter lucro. “A terra é a nossa mãe! Vocês vendem a terra de vocês. Como podem vender a mãe de vocês?” Disse-me certa feita um cacique A’uwé (Xavante). Tive que ficar calado e engolir a seco tal indagação. Ainda bem que Pedro ensinou-me a ver a floresta por outros ângulos: “Quem fica na floresta um dia, quer escrever uma enciclopédia; quem passa 5 anos, fica em silêncio para perceber o quanto é profunda e complexa a Criação.” (Pedro Casaldáliga)
A minha nostalgia hoje me fez viajar no tempo. Voltei ao passado. Tudo porque, quando rezava, ouvi a canção do padre Zezinho: “Um Certo Galileu”. Esta foi uma das canções que me motivou a decidir pela entrada no seminário Redentorista Santo Afonso, em 1976. Uma guinada em minha vida, iniciada ali e que me trouxe até aqui. Não consegui caminhar como religioso redentorista, mas mergulhei de corpo e alma nesta Igreja da Prelazia. Igreja esta que Pedro assim a definia: “Eu, pecador e bispo, me confesso de sonhar com a Igreja vestida somente de Evangelho e sandálias. Vale dizer: vestida de Jesus e dos pobres!” Me fiz Igreja com esta Igreja, assumindo o meu batismo de sangue com a causa indígena. O pacto por toda a vida.
Nostálgico e sonhador por natureza, vou caminhando esperançoso por aqui. Sigo com o meu processo de recuperação. Completei hoje, 40 dias da fatídica cirurgia do irmão AVC. Ainda um pouco inseguro para realizar algumas das tarefas. Para quem era hiper ativo nas ações cotidianas… Aprendendo a conviver com este novo que surgiu na minha vida. Quem cuidava dos outros seres, precisa agora aprender a cuidar de si mesmo. Preciso ainda me convencer desta máxima. Estou carente de abraços. Sou um ser movido por eles. Não dos abraços virtuais, claro! Abraço virtual “não está com Deus”, como se diz lá em Minas. Abraço tem que ser aquele que possibilita o encontro de dois corações, onde se possa sentir o calor da outra pessoa, misturado ao calor de seu próprio corpo. Abraço que te quero meu! Como diria a adolescente alemã, de origem judaica, Anne Frank (1929-1945), que morreu aos 16 anos nos campos de concentração nazistas: “Os abraços foram feitos para expressar o que as palavras deixam a desejar.”