Agir com misericórdia

Segunda-feira, primeiro dia do mês de março. Segunda semana da quaresma. Março chegou. As águas de março, dando o tom dos nossos dias. Se fevereiro foi um mês de chuva em abundancia, março dá mostras de que também será assim. Aqui pelas bandas do Araguaia, entramos na quarta semana de chuva intermitente. Aqui e ali um sol tímido, mas o que predominou foi a chuva mesmo. A natureza agradece e o rio também. Segue acumulando água dia após dia

O mês de março não nos traz noticias boas sobre a Covid-19. Segundo os sanitaristas, os meses de março e abril serão os piores meses que teremos no enfrentamento da pandemia. Muitos infectados e também mortes. Nada de vagas nas UTIs. Esta é a conta que estamos pagando pelas festas clandestinas do carnaval e das aglomerações irresponsáveis, provocadas pelas pessoas sem o uso de máscaras e sem respeitar o distanciamento social, proposto pelas autoridades em saúde.

Entretanto, não é assim que pensa o mandatário do país, que segue aprontando das suas, sem o uso de máscaras, promovendo aglomerações. Um negacionismo irresponsável sem fim, para quem deveria cuidar para que as pessoas cumprissem os protocolos, cuidando da sua saúde e das demais pessoas. Nem sequer tem o compromisso de adquirir a vacina para todos. Ao invés de ficar promovendo aglomerações, deveria juntar-se ao seu “ministro da doença’ e ao menos fossem visitar os hospitais, para ver o quanto os profissionais de saúde estão desgastados na linha de frente no tratamento desta terrível doença.

O Evangelho proposto para a liturgia de hoje é uma programa de vida para todos nós. (Lc 6,36-38) Nele, Jesus nos propõe que sejamos misericordiosos assim como o Pai é misericordioso (Lc 6, 36). Ou seja, nos convoca a agir com misericórdia. E ter misericórdia é propagar os ensinamentos do Senhor através de atos e não somente com as palavras, espelhando-nos na misericórdia do próprio Deus Pai. Neste sentido, a misericórdia de Deus é um exemplo de postura para tornarmos o mundo mais humano, fraterno e justo, já que, como diria São Padre Pio de Pietrelcina: “A misericórdia de Deus será sempre maior que a nossa ingratidão.”

Lembrando que o nosso estar no mundo e a nossa vivência em sociedade é constituída por relacionamentos, geralmente marcados por interesses e reciprocidade, que geram lucro, poder e prestígio. O Evangelho, ao contrário, revoluciona o campo das relações humanas, mostrando que, numa sociedade justa e fraterna, as relações devem ser gratuitas, à semelhança do amor misericordioso do Pai. Se formos movidos por esta mesma misericórdia que nos vem de Deus, poderemos então revolucionar a nossa maneira de ser no mundo, quando olhamos para os nossos irmãos e irmãs e vemos neles a presença do próprio Deus que ali está.

“Quero a misericórdia e não o sacrifício” (Mt 12, 7), é o desejo manifesto pelo próprio Jesus, aos seus discípulos e discípulas, independentemente da situação vivida pelas pessoas. Esta é a revelação maior de Jesus, quando nos deu a conhecer o rosto de um Deus extremamente misericordioso. Misericórdia é este sentimento de compaixão, despertado pela dor do outro, pela sua situação de sofrimento. Misericórdia que tem a sua origem no latim, juntando duas outras palavras: miserere (ter compaixão), e cordis (coração). Sentir a dor alheia com o coração aberto, numa atitude solidária com aquilo que o outro está vivenciando. Mas para viver desta forma, precisamos revestir-nos de benevolência, perdão, bondade, espelhando também em nós a face de um Deus que é misericórdia por excelência. Misericórdia esta que tem faltando à muitos dos nossos diante de tantas vidas que perdemos. Alguns até parecem sentir prazer ao ver o outro sofrer.

Jesus, por sua vez, nos propõe que sejamos capazes de agir movidos pela misericórdia. Assim como Deus age conosco. Misericórdia esta que é um agir com compaixão, que nos faz ver e sentir a dor que o outro está sentindo. Ser misericordioso significa agir pelas coordenadas do coração e deixar ser invadido pela dor do outro. Não porque o outro seja bom, mas porque ele está padecendo e necessitando de ajuda. Ele precisa. Quem se move pelo espírito misericordioso jamais poderá pronunciar uma das frases mais infames que já ouvimos, inclusive de pessoas de dentro da própria Igreja: “Quem tem dó do miserável que fique então no lugar dele”, numa atitude de total indiferença e desprezo pela dor alheia.

Os dias são terrivelmente de tristeza. Quase que não dá para sonhar. Todavia, quem se deixa invadir pela mesma misericórdia de Deus, sabe ser também empático e vive o seu dia a dia preenchido de esperança. Sabe esperançar. Como dizia nosso bispo Pedro, “Ter esperança é um ato de rebeldia”.A esperança nos faz ver que, depois da curva, Deus ali está. Um Deus que se faz sempre presente com os seus. Não nos abandona jamais. Podemos, portanto, esperançar sempre, pois se ELE é por nós, quem será contra nós.