Água

Enquanto vamos vivendo a pandemia, os espertalhões apátridas, aproveitando do ensejo de estarmos todos voltados para evitar sermos contaminados pelo vírus mortal, aprovaram no Senado o novo marco regulatório do saneamento, que será encaminhado para a sanção do desprestigiado Presidente da República. O texto, aprovado nessa última quarta-feira (24), por 65 votos a 13, facilitará as privatizações, extinguindo o atual modelo de contrato entre municípios e companhias estaduais, exigindo a licitação entre empresas públicas e privadas. Em outras palavras, tiveram a cara de pau de privatizar a água.

A água é um bem natural de todos. Não existe vida sem água. Todavia, a maior ameaça a esta fonte, como bem comum de toda a coletividade, é a volúpia privatizante e mercantilista do capitalismo selvagem globalizado. Eles sabem que a água é um grande negócio. Há uma disputa acirrada entre as empresas, pela gestão dos sistemas de captação, tratamento e abastecimento de água, particularmente nos grandes centros urbanos. Por trás desta sanha destes políticos oportunistas de plantão, estão os interesses dos fabricantes de cerveja e refrigerante, como é o caso da Coca cola, de quem o relator do projeto, Tasso Jereissati (PSDB-CE), é um dos principais acionistas. Portanto, interesses escusos estão por trás deste processo de privatização.

Quando ficou sabendo deste processo de privatização, uma liderança indígena me ligou, querendo saber mais detalhes deste processo. Eles estão querendo vender a água? Indagou-me. Mas como eles querem vender algo que não é deles, mas é a natureza que nos dá este bem precioso? Concluiu o indígena, sem ao menos dar-me a oportunidade de dizer que, de fato, eles venderam a água para algumas empresas.

Como entender este processo de privatização, de um bem que é patrimônio de todos? Por mais que se explique para os indígenas, não conseguem ter um entendimento deste processo. Como vou vender a água do rio que nos serve aqui na terra, e também para as outras pessoas, lá mais para baixo, onde ela vai chegar? Me questionou o diretor da escola da aldeia. Ouvi calado e fiquei pensando no raciocínio dele.

O rio tem toda uma simbologia para os indígenas. Não se trata de somente saciar a sede, mas os vários banhos diários, a lavagem da roupa e vasilhas da cozinha e o espaço para a realização dos rituais. No rio acontece um importante ritual, na vida dos meninos xavante (Wapté Mnhõnõ), que passam por esse momento bastante especial que é a furação de orelha. Depois de diversas atividades como correr com toras, bater água no rio, aprender a lutar, os meninos passam pelo ritual de furação das orelhas, acompanhados de perto pelos padrinhos.

Como se trata de um povo de guerreiros, os rituais acontecem com o intuito da formação da personalidade cultural, mas também como forma de fortalecer o corpo para os embates da vida. Não é por nada que o povo A’uwe Uptabi, tem corpos esculturais, ao ponto de conseguirem correr com uma tora de buriti (ui’wede), pesando aproximadamente 90 quilos para os homens e 70 para as mulheres. O ato de bater água no rio, é um destes rituais que vai esculpindo o corpo e a musculatura do jovem Wapté, sem falar nas disputas de corridas, que acontecem sol a pino, num esforço gigantesco dos meninos, que vão adentrar a vida adulta brevemente.

Como posso vender a água do rio? Esta era a preocupação deles, diante da malandragem de alguns políticos do Brasil, aproveitando-se da situação para privatizar a água, entregando-a ao bel prazer de grandes conglomerados empresariais, multinacionais, interessadas neste bem precioso, que no mundo já está ficando escasso. Lembrando que o Brasil, figura no cenário mundial como um dos países que mais possui fontes de água potável. Que não será mais um bem da nação, pois o desgoverno que ora temos, não deixará se sancionar aquilo que já foi aprovado pelo Senado Federal. Um ato falho dos senadores espertalhões, privatizando um bem que é de todos. Mediante tal ato, sou obrigado a concordar com a frase do amigo Carlos Malheiro Dias: “É mais fácil separar a água do vinho que a hipocrisia da verdade no julgamento das ações humanas.”