Sábado da segunda semana do Advento. Devagar vamos adentrando no clima do Natal. A expectativa nos conduz à alegria messiânica de um menino, aparentemente frágil, nascido na periferia do mundo judaico, que vem inaugurar uma nova História, dividindo a humanidade em dois tempos: antes e depois da chegada d’Ele entre nós. Deus que faz questão de encarnar na realidade humana, possibilitando que a sua mãe experimentasse a dor do parto, fazendo brotar de seu ventre materno, aquilo que fora predito pelo profeta Isaías: “Do tronco de Jessé sairá um ramo, um broto nascerá de suas raízes”. (Is 11,1)
Vivemos a incerteza da volta à “normalidade”. Um misto de alegria e tristeza toma conta de nós. Não podemos ainda dizer que os tempos são outros, dado que a pandemia ainda dita às regras por aqui. As vacinas deram uma boa equilibrada, mas entre nós ainda há um quantitativo muito grande de negacionistas, que repelem a ciência, não permitindo que sejam aplicadas em si, as doses salvadoras das vacinas. Desta forma, estes são aqueles que estão colocando a humanidade em risco de novas ondas por aqui. Sem falar dos países pobres, com baixa cobertura vacinal, ameaçando assim os ricos países.
Tristeza também que ficou registrada dia desses, em uma sala de aula da educação básica de nosso país. Uma menina de apenas treze anos, aproveitou uma de suas provas escolares, para denunciar as agressões sofridas pela sua mãe, causadas pela truculência de seu pai. Esta situação aconteceu aqui na Amazônia, no Vale do Anari, em Rondônia. Na prova, a menina escreveu: “Por favor, me ajuda. Meu pai bate na minha mãe. Chama, para mim a polícia”. Felizmente, a professora deu encaminhamento e se constatou que aquela menina, juntamente com a sua mãe e os seus três irmãos, sofriam maus tratos. Quantas situações como estas não acontecem por estes rincões afora?
Alegria messiânica por comemoramos ontem, os 101 anos de uma das nossas maiores escritoras. Sim. Ontem foi dia de Clarice Lispector (1920-1977) Embora sendo de origem Ucraniana, chegou muito cedo ao Brasil, uma vez que seus pais, que eram de origem judaica, tiveram que fugir de seu país natal, diante da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa. Clarice é considerada um dos maiores nomes de nossa literatura brasileira do século XX.
Lispector me encantou a primeira lida de seus escritos. Seu jeito próprio de um romance inovador e com sua linguagem altamente poética, fez de mim um de seus leitores, graças à ajuda da professora Zilda. Assim que cheguei ao Seminário Santo Afonso dos Redentoristas (1976), em Aparecida (SP), fui apresentado à escritora pela nossa saudosa professora de Literatura. Esta professora conseguiu infundir em muitos de nós, seus alunos, o gosto pela literatura e, especialmente por Clarice Lispector. Como esquecer “Perto do Coração Selvagem”, escrito em 1944, que retrata uma visão interiorizada do mundo da adolescência e que abriu uma nova tendência na literatura brasileira?
Uma das frases ditas pela escritora marcou a minha trajetória de vida. Com ela fiz o meu itinerário formativo e existencial, perseguindo as pegadas de Jesus de Nazaré. Dizia ela: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. Talvez seja nesta perspectiva que devemos entender o processo da Encarnação do Verbo Divino em nossa realidade humana hoje. O texto que nos é proposto para o dia de hoje, fala exatamente da vinda de alguém que estaria preparando o caminho. Uma compreensão exegético-teológica que foge ao nosso entendimento, se não adentrarmos na lógica proposta por Deus, através do Projeto Messiânico de Jesus de Nazaré.
Esta é a missão do precursor. Aquele que vem aplainar os caminhos do Senhor. João Batista tinha muito claro qual era, de fato, a sua missão: anunciar os tempos messiânicos, realizando o que se esperava com a vinda do profeta Elias, que viveu no reino de Israel, durante o reinado de Acabe. O grande problema é que a sua missão não foi reconhecida pelas autoridades do povo. Tanto que a sua trágica morte, ao ser degolado, é uma pequena amostra de qual deverá ser o destino do Messias, que também haverá de ser rejeitado pelos grandes e poderosos de seu tempo. Para ilustrar esta situação podemos fazer uso de uma das frases ditas pelo padre Júlio Renato Lancellotti: “O que incomodava Jesus não eram os pecadores, mas sim os religiosos”. São estes que o rejeitam e também todos nós, quando não aderimos ao seu Projeto, na alegria messiânica.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.