Reflexão: Liturgia do VII Domingo do Tempo Comum,
Ano A – 19/02/2023
Na Liturgia deste Domingo, VII do Tempo Comum, veremos, na 1a Leitura (Lv 19,1-2.17-18), uma indicação do modo concreto de viver a santidade. A caridade para com o próximo reflete em nós a santidade de Deus.
Temos que acrescentar, com Santo Agostinho, que a grande realização da caridade é a de tornar-nos semelhantes a Deus, já que ela nos faz capazes de amar os outros, não somente como a nós mesmos, mas do modo como Deus os ama. Para Agostinho, a questão da semelhança do homem com Deus tem dois aspectos. O primeiro diz respeito ao momento da criação, quando Deus faz o homem à sua imagem e semelhança; neste sentido, todo homem carrega dentro de si esta imagem divina. Um segundo aspecto é quando o homem, por sua livre vontade, deve esforçar-se para imitar o modo de amar de Deus; neste último, tornam-se semelhantes a Deus os que O buscam e O amam verdadeiramente. “A caridade é o único sinal que distingue os filhos de Deus dos filhos do demônio” (Comentário da 1ª Epístola de São João V, 7). Assim como entre os homens é a semelhança física o que caracteriza alguém como filho de outrem; do mesmo modo, o sinal distintivo dos verdadeiros filhos de Deus é, exatamente, a vivência da caridade. Embora muitos aleguem serem filhos de Deus, somente os que amam com caridade, de fato, o são. Seremos felizes nesta vida e por toda eternidade, se todas as nossas ações forem movidas pelo amor, mas não por qualquer amor, e sim por aquele que chamamos de amor fraterno ou de perfeita caridade.
Na 2ª Leitura (1 Cor 3, 16-23), o apóstolo Paulo nos diz que a comunidade cristã é templo de Deus e é nele que Ele se manifesta. Em cada membro da comunidade, habita o Espírito Santo que gera a vivência do amor fraterno em que uns estão a serviço dos outros para a edificação do bem comum. Cada um de nós é chamado, por Deus, a multiplicar o bem e fazer a diferença, na comunidade, na família, no ambiente de trabalho, na convivência com outras pessoas, enfim, na sociedade em que vivemos. Nunca devemos nos esquecer de que, na comunidade, devemos sempre ser “um por todos, todos por um, todos por todos, o tempo todo”.
No Evangelho (Mt 5, 38-48), Jesus reinterpreta o mandamento do amor ao próximo: amar até mesmo os inimigos. Essa é a única maneira de amar gratuitamente como o Pai. Jesus nos ensina a tratar e amar o outro segundo a bondade de Deus e não segundo suas falhas e limites. Mas, tudo isso só é possível pela fé. O cristão é chamado a fazer a diferença no universo, chamado a vencer todas as batalhas da violência com a força da alma e não com a força física ou das armas. Na violência e na guerra, não há vencedores. Quando amamos, todos são vencedores. Neste sentido, quando a raiz das ações é a caridade, não poderá surgir o mal, mas somente o bem: “Quando esvaziares o coração do amor terreno, haurirás o amor divino. E nele logo começa a habitar a caridade da qual nenhum mal pode proceder” (Santo Agostinho. Comentário da 1ª Epístola de São João II, 8). Ou ainda:
“Não se distingam as ações humanas a não ser pela raiz da caridade. Uma vez por todas, foi-te dado somente um breve mandamento: Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem! (Ibid., VII, 8).
Amar o Próximo – os Inimigos
Santo Agostinho nos diz que a verdadeira caridade nos leva a amar os nossos inimigos, pois eles também estão incluídos na categoria de próximo, de modo que amá-los é um dever dos que amam a Deus: “Homem algum, de fato, está excluído por aquele que nos disse de amar o próximo” (Santo Agostinho. A Doutrina Cristã I, 30, 31). Somente estendendo o nosso amor até o próximo (inimigos), estaremos cumprindo plenamente o preceito da caridade. Agostinho mesmo nos diz:
“Estende o teu amor aos que estão próximos, mas, na verdade, ainda não chames a isso estender. Porque é a ti mesmo que amas, quando amas os que te estão estritamente unidos. Estende o teu amor até aos desconhecidos que não te fizeram nenhum mal. E vai mais longe ainda. Chega até amar os teus inimigos. Sem dúvida, é isso o que o Senhor te pede” (Comentário da 1ª Epístola de São João VIII, 5).
Deus nos pede para amá-los, porque Ele é o próprio modelo supremo do Amor e nos convida a imitá-Lo em sua perfeição. Portanto, assim como Ele ama igualmente a toda pessoa humana, dando-lhes a vida e distribuindo, igualmente, a bons e maus, os dons da natureza, será exatamente quando amamos até os nossos inimigos que O estaremos imitando em seu jeito de amar.
Agostinho nos diz que devemos amar os nossos inimigos, não porque nos odeiam, nos fazem mal e nos causam sofrimentos, não por estes motivos, mas porque contemplamos neles algo de mais profundo, isto é, o fato de serem imagem e semelhança de Deus: “O que ama nele, não é o que cai sob seus olhos, ou sob os sentidos corporais. O que é preciso amar é a natureza humana perfeita ou em via de se aperfeiçoar, independentemente de suas condições carnais” (A Verdadeira Religião, 46, 86. 89). Portanto, os amaremos não para que continuem sendo nossos inimigos, mas para que se tornem nossos irmãos e um dia possamos juntos desfrutar de Deus. Eles são nossos inimigos porque estão distantes de Deus e ainda não O conheceram:
“Nós não os tememos, na verdade, visto que não podem nos tirar aquele a quem amamos. Mas nós nos compadecemos deles, porque nos odeiam, tanto mais quanto estão distantes do objeto de nosso amor. E se acaso voltassem a ele, necessariamente amá-lo-iam, como o Bem beatificante, e a nós, como coparticipantes de tão grande bem” (A Doutrina Cristã I, 29, 30).
Agostinho insiste, a todo tempo, que devemos alcançar a perfeição da caridade, não somente pelo nosso esforço humano, mas também pela ajuda divina. Portanto, devemos pedir a Deus a graça de amar sempre e a todos: “Rogai a Deus a graça de vos amar uns aos outros. Rogai para estardes sempre abrasados do amor fraterno. Seja para com o que já é vosso irmão, seja para com o inimigo, a fim de que se torne vosso irmão” (Comentário da 1ª Epístola de São João X, 7). Para Agostinho, só o amor tem o poder de converter um inimigo num irmão: “Teu amor faz um irmão daquele homem que era teu inimigo (…) Ama-o com amor fraterno. Ainda ele não é um irmão, mas já o amas como se o fosse” (Idem). Enfim, para alcançarmos a perfeição da caridade, devemos preparar um espaço interior para ela, esvaziando o nosso coração do amor do mundo e enchendo-o do amor de Deus. Assim, nascerá em nós a caridade fraterna que deverá ser sempre alimentada nesta perfeição:
“Há dois amores: o amor do mundo e o amor de Deus. Se o amor do mundo fixar residência em nós, o amor de Deus não poderá entrar. Que se afaste o amor do mundo e tenha morada em nós o amor de Deus. Não ames o mundo! Afasta de teu coração a má dileção do mundo, para o deixar encher-se do amor de Deus. És um vaso, mas ainda estás cheio. Derrama o que está em ti, para receberes o que não está” (Comentário da 1ª Epístola de São João II, 8-9).
Agindo assim, nos tornaremos fortes o suficiente para, se necessário for, darmos a nossa própria vida por aqueles a quem amamos.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá. Atualmente é Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Sarandi PR.