Terça feira da décima primeira semana do tempo comum. Mais um dia vivido. Agradecendo sempre a Deus por mais este dia. Estamos todos e todas neste mesmo compasso. Um dia de cada vez. Ainda não sabemos o que virá pela frente. A incerta é nossa companheira nesta viagem que fazemos. As angústias se somam, deixando-nos ainda mais fragilizados. Pessoas queridas, próximas e distantes sendo levadas por este vírus cruel e insano. Enquanto isso a demência de nossos governantes segue profanando os templos sagrados de corpos, deixando famílias inteiras enlutadas e impotentes a chorar pelos seus queridos.
Nossa gente está morrendo. Vivemos hoje a autêntica política de morte. Por mais que as autoridades sanitárias de todo mundo estejam direcionando para o cuidado, para nos livrarmos das formas de contaminação, por aqui se faz o contrário. O anjo mandatário da morte ignora a tudo e a todos, fazendo os seus malabarismos macabros, trazendo sangue nos olhos e rancor num coração não afeito à amorosidade. Impossível não pensar em Mário de Andrade com o seu personagem Macunaíma, “o herói sem nenhum caráter”, já que assumia o caráter de todos. Este outro, porque desprovido de caráter. Nossa gente está perdendo a vida. Nossa gente está a beira do precipício. Gente como a gente.
Neste contexto de tanta dor e tanta morte, Jesus chega com a sua palavra revolucionária, incomodando a todos nós. É como se fosse um soco no estômago em cada um de nós. Ao invés do tradicional “olho por olho e dente por dente”, nos propõe a força inquietante do amor. Não pagar com a mesma moeda. Jesus nos propõe uma das páginas mais controversas e difíceis de serem vividas, principalmente neste atual momento de nossa história: “Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem!” (Mt 5,44) Como amar uma pessoa que insiste em trazer sofrimento às pessoas e gerenciar uma política de morte para o seu povo, sem qualquer tipo de preocupação com a vida?
O que Jesus nos propõe se transforma num grande desafio para a nossa vivência cristã, como seguidores e seguidoras desta sua proposta. Este texto nos abre uma perspectiva para os nossos relacionamentos humanos para além das fronteiras que as pessoas costumam construir entre si. Quando Jesus nos fala do amor ao inimigo, Ele está a nos dizer que devemos entrar numa relação concreta com aqueles e aquelas que também são amados por Deus, mas que no atual momento, apresentam como problemas para nós. Sem nos esquecermos que os conflitos também fazem parte da tarefa do amor. Que tarefa difícil a nossa de entender esta mensagem e procurar vivê-la no cotidiano de nossas vidas!
Por mais que a tarefa pareça difícil de ser cumprida, somente com as nossas forças jamais conseguiremos dar cabo dela. Este amor que move o nosso coração, para ser capaz de amar os inimigos tem que advir do próprio Jesus. Não é um amor que construímos no nosso coração, mas precisa advir do próprio coração de Jesus. Não como forma de um sentimento apenas, mas com atitude, decisão, vontade, querer, envolver-se. Talvez não baste ter fé em Jesus de Nazaré, mas precisamos ter a mesma fé desse Jesus e nos entregarmos neste projeto de amorosidade, ternura e compaixão.
Amor que sobra em Jesus. Amor que falta em muitos de seus seguidores. Em nome d’Ele muitas aberrações tem sido feitas. Pessoas que possuem a plena convicção de que o fazem em nome de Deus. Pessoas que conseguem disseminar o ódio, as ofensas, as perseguições e toda forma de discriminação, acreditando que Jesus está com elas nesta empreitada maledicente. Exatamente o contrário, é o que o evangelho de ontem e de hoje está a nos dizer com todas as letras. O que Jesus propõe é uma atitude nova, a fim de eliminar o círculo do ódio e da violência. Resistir ao inimigo, nestas circunstâncias, não é uma ação que deva ser feita com as mesmas armas utilizadas por ele, mas através de uma reação que o desarme de todos os seus propósitos.
O seguidor, a seguidora de Jesus somos seres de esperança. Ela precisa estar estampada em todas as nossas ações cotidianas. Esperança que nos move em direção às nossas atitudes e compromissos na construção do Reino. Esperança que Pedro assim se referia: “Devemos tentar viver com humildade e com paixão. Uma esperança crível. Não se trata de esperar sentados. A esperança não pode fundar-se em promessas eleitoreiras e nem se pode traduzir em passiva resignação religiosa”. Esperança que não se confunde com
Outras palavras do gênero, bem apropriadas ao comodismo de alguns. Ser movido pelo amor incondicional como quer Jesus, requer também de cada um de nós a capacidade de indignar-se perante as muitas injustiças entre nós que clamam aos céus. Amar como passaporte para a indignação, longe da indiferença. Somos povo de gente, construtores do Reino aqui a agora.