Segundo domingo (14) do mês de fevereiro. Estamos já na metade dele. No frescor de uma manhã atípica no Araguaia, rezei meditando o sentimento de compaixão que estava presente na prédica e prática Jesus, nas suas andanças pela Palestina de seu tempo. Um homem extremamente movido pela compaixão para com a ralé que havia ali a sua volta. Uma das características fundantes neste “homem de Deus”. Talvez por isso teve tanta coragem para enfrentar os poderosos de seu tempo. E cutucou a onça com vara curta, como se diz no dito popular.
A narrativa bíblica da comunidade de Marcos de hoje (Mc 1,40-45), não é diferente disso. “Jesus, cheio de compaixão…” (Mc 1,41) Se bem que algumas traduções colocam “Jesus cheio de ira”. Mas mesmo esta ira de Jesus é movida pela sua compaixão para com aquele pobre homem doente (lepra). Enquanto as autoridades o rejeitavam, Jesus subverte a lei judaica e promove a inclusão daquele ser abjeto, desprezado pela sociedade. Lembrando que o leproso era marginalizado, devendo viver fora da cidade, longe do convívio social, por motivos higiênicos e religiosos (Lv 13,45-46).
Entender o comportamento de Jesus é compreender o que vem a ser mesmo esta tal de compaixão. Um sentimento diferente dos demais. Este é um tipo de sentimento, que nasce nas profundezas do ser humano, dentro mesmo do coração de cada um de nós, com a diferença, que nos provoca à ação. Ou seja, compadecer-se de outrem, não é o mesmo que agir com sentimento de pena, mas, numa atitude de respeito, sente a dor como sua e toma a iniciativa, atitude no sentido de amenizar a sua dor, a sua angústia, a sua marginalização social. Movido pela compaixão, Jesus toca nele e o cura, devolvendo-o para o convívio em sociedade. Jesus fica irado contra aquela sociedade que produzia a marginalização.
Mover-se pela compaixão é agir por amor. Quem verdadeiramente ama, é capaz de sentir compaixão. O centro da vida cristã é a vivência do amor. Neste sentido, um dos discursos bíblicos mais belos que temos acesso é aquele feito por João: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, mas odeia o seu irmão, é mentiroso. Pois ninguém pode amar a Deus, a quem não vê, se não amar o seu irmão, a quem vê. E este é justamente o mandamento que dele recebemos: quem ama a Deus, ame também o seu irmão”. (1 Jo 4,20) Gosto muito da ideia desenvolvida pelo monge Tibetano Dalai Lama quando assim diz: “A compaixão tem pouco valor se permanece uma ideia; ela deve tornar-se nossa atitude em relação aos outros, refletida em todos os nossos pensamentos e ações.”
Ou seja, quem ama é capaz também de desenvolver em si a compaixão e a misericórdia. Ambas caminham lado a lado. “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6, 36) Desta maneira, somos interpelados a ser também compassivos e misericordiosos, como nos diz a narrativa de Lucas, extraído de uma das falas do próprio Jesus. Justamente aquilo que tem faltado no meio de nós, quando boa parte das pessoas, está se deixando levar pelo clima de rancor e ódio. Pelo menos o que estamos vendo acontecer nas críticas ferozes contra a Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) de 2021. O que mais entristece é saber que algumas destas pessoas assim se comportam, e se alto definem como pessoas de igreja, pessoas de Deus. Resta-nos perguntá-las: de qual Deus mesmo?
A carta de João para mim é bastante elucidativa neste quesito. Ele nos coloca diante de uma situação muito peculiar. Pra começo de conversa ele nos diz que o amor vem de Deus. Todavia, como discernir então o que vem de Deus e o que é enganação que vem do mundo? Diante de tantas propostas que nos chegam continuamente, vindas das mais variadas religiões, projetos políticos, filosofias, sistemas de pensamento. Cada um deles, apresentando-nos como propostas salvadoras. Como distinguir e onde se encontrar a verdade? João nos dá uma boa dica. Segundo ele o critério está no projeto que Deus manifestou através de Jesus de Nazaré, encarnado em nossa realidade humana. Ou seja, Jesus veio realizar uma prática concreta, que promove a vida antes de tudo e a liberdade das pessoas (desalienação) . Desta forma, o amor vem de Deus porque ELE assim o quis e manifestou gratuitamente a nós por iniciativa própria sua. “Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ELE que nos amou e nos mandou o seu próprio Filho”. (Jo 4, 10b) Sejamos pois amorosos, misericordiosos e compassivos como foi/é Jesus para nós!