Amor traição e negação

Terça feira da Semana Santa. Vamos dando mais um passo rumo à Festa da Ressurreição da Celebração da Páscoa de Jesus. Embora algumas vivências eclesiais enalteçam mais o sofrimento, a dor e a morte de Jesus, no caminho do Calvário, a morte não tem a última palavra, uma vez que Deus desceu Jesus da cruz e o Ressuscitou para a vida plena. O sentido maior para a vida do cristão é a vida na vida d’Ele. Celebrar a Semana Santa é abraçar a cruz da história sabendo que com Ele haveremos também de triunfar, uma vez que a Festa da vida plena nos espera. Como disse o Papa Francisco: “Proclamamos a ressurreição de Cristo quando a sua luz ilumina os momentos sombrios da nossa existência”..

Enquanto vamos caminhando neste sentido, a vida não pára. A história segue sendo construída pelas ações afirmativas que vamos desenvolvendo. Se a Campanha da Fraternidade deste ano é sobre a temática da Fome, a do ano passado foi sobre a Educação. Desta forma, estamos colhendo os frutos das reflexões que fizemos no ano que passou. Neste sentido, o atual governo sinaliza que vai suspender a implementação do Novo Ensino Médio (NEM), depois das críticas assertivas contundentes feitas a este modelo equivocado de educação voltado para as camadas de baixa renda da população. Revogar para reconstruir.

Revogar para repensar o Novo Ensino Médio é preciso urgentemente, assim como o ENEM, que é a porta de entrada dos alunos mais carentes à Universidade. Da forma como está, o NEM não atende aos reais interesses dos alunos que frequentam as unidades públicas da educação básica, formando mão de obra barata para o mercado de trabalho, de alunos que não são preparados para pensar o seu itinerário formativo. Da forma como está, somos obrigados a concordar mais uma vez com Paulo Freire: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”.

Enquanto isso, a elite esperneia, querendo manter o modelo da forma como está, manifestada na atitude de certo apresentador de televisão, que vê a revogação do NEM como um retrocesso. Ele que mora num condomínio fechado da elite que, além de não ser um professor, muito menos um educador, certamente jamais matriculará o seu filhinho burguês, numa das escolas da rede pública de educação. Para este “pensador” da elite deslocado, somos obrigados a dizer para ele aquilo Darcy Ribeiro sábia e lucidamente nos disse: “A crise da educação no Brasil não é uma crise: é projeto”.

Projeto de educação e o Projeto do Reino de Deus que também está em crise, como nos mostra a liturgia desta Terça Feira Santa. Jesus que está à mesa com os seus discípulos e é obrigado a fazer uma triste constatação: “Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará” (Jo 13,21) Apesar de estarem juntos e com Ele caminhar, alguns dos seus seguidores ainda não estavam convencidos de quem Ele era e o que viera fazer da parte do Pai: o Messias enviado, Deus conosco como Verbo encarnado. Amor, traição e negação se mesclam nas contradições da natureza humana. Quem não vive pelo amor, trai as causas da vida.

Se ao lado de Jesus estava João (aquele que Jesus amava), também estavam Judas Iscariotes e Simão Pedro. João, cujo nome em hebraico quer dizer “Deus é gracioso” Uma pessoa especial, movida pelo seu grande amor. De outro lado vemos Judas, aquele que trairia o seu Mestre e Simão Pedro que o negaria. Três realidades distintas que fazem parte do nosso ser enquanto ser. Somos seres de amorosidade, mas também de negação e algumas vezes de traição. Isto mostra a complexidade que é o ser humano.

Esta é também a realidade que cada um de nós experimenta ao longo da nossa existência. Dentro de cada um de nós está presente a pessoa de João, de Judas e também de Pedro. Somos movidos pelas nossas contradições e incertezas internas. Fidelidade e infidelidade convivem dentro de nós e depende do nosso estado de espírito para superar tais contradições. É preciso trabalhar no sentido de apropriar do nosso autoconhecimento, para saber quais das realidades eu alimento para que sobressaia. Vale aqui o conhecimento ancestral indígena que nos vem através de um provérbio indígena que assim diz: “Dentro de mim, existem dois lobos: O lobo do ódio e o lobo do amor. Ambos disputam o poder sobre mim. E quando me perguntam qual lobo é vencedor, respondo: O que eu alimento”. Quais das três realidades você costuma alimentar dentro de si, amor, traição ou negação? Com qual dos três personagens você mais se identifica, João, Judas ou Simão?


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.